Um dia de céu limpo, uma dose de conhaque, o porco engravatado que rumina dinheiro alheio, as noites solitárias, as crianças fazendo algazarra, amores possíveis e impossíveis. Tudo o que há sob o sol (e além do sol) é a matéria da poesia.
Este blog é um livro inconcluso com páginas abertas para que você encontre textos escritos com verdade, sentimento e, principalmente, com ALMA.
Uma viagem que nunca termina. Por Alessandro de Paula.
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Poema sobre um homem, duas épocas e locais distintos e um processo de despersonalização.
A Casca
há tempos para trás ficara o acanhamento das ruas, os espaços gramados e os sorrisos da gente simples do lugar onde nasceu. memória em branco e preto guardada como filme ou sonho.
tudo se tornara concreto, incluso o tempo, que passa lento na larga avenida engarrafada. nos intervalos, fez parceria e família: às 7, levar as crianças; às 8, trabalho e toda rotina cinzenta como a parede do edifício no qual costuma estar, segunda a sexta, para aquietar-se escondido. Quase impossível adivinhá-lo a uma janela fechada perto das nuvens.
na semana, comprometia-se com tarefas, fez progresso material e alguns poucos conhecidos cumprimentavam-no quando passava apressado para almoçar em qualquer local.
finais de semana em centros de compras para alegrar esposa; cinema e pipoca para as crianças. finais de semana na igreja e no sofá da sala. vez por outra, torceu para a seleção e tinha a camisa de um dos grandes da capital. era melhor não usá-la em dias de clássico...
voltava semana seguinte reproduzindo opinião, votando na direita ou na esquerda sem muito pesar nem pensar. gabava-se por dentro ser alguém entre ninguéns. dizia-se contra o aborto e a favor da cerveja na mesa do boteco após o expediente.
nunca mais voltara à origem... até então.
hoje a estrada e a visão de tudo o que conhecera preenche seu olhar.
avança o ônibus país adentro e em si tudo revive: peladas animadas em acanhadas ruas, os espaços entre gramas em que primeiramente caminhou de mãos dadas com uma menina de sorriso simples.
agora nada mais os separa: homem e lugar.
tantos anos mais velho... muitos saíram, como ele saiu. alguns foram para longe, para um lugar de onde nunca voltarão.
outros permanecem os mesmos assim como árvores, bancos de praça e a velha receita de torta de milho da avó, atualmente reproduzida por uma prima. igualzinha, igualzinha...
deparou-se com crianças que nunca conheceu, casos e piadas dos quais não se recordou e o sorriso envelhecido que se tornara amargo. Era o dele frente a alguém que nem de longe lembrava a namorada dos catorze anos.
não é o mesmo. precisa voltar ao concreto, compromissos família e sofá da casa. não há mais peladas e a memória se revela enganadora.