quarta-feira, 13 de abril de 2005

A Primeira Carta: Segredos

Meus amigos viajantes, a partir de hoje começo a postar uma série de "cartas". Algumas de minha criação, outras de alguns amigos. As pessoas não serão identificadas (a não ser que queiram), mas certamente elas saberão quem são, se é que entram neste blog (algumas entram, sim). Logicamente, não ficarei com os créditos e as pessoas foram previamente consultadas. Bom, aí está a primeira. Confiram:

Segredos

Você... olhos, pernas, braços, boca.
Você... desejo, raiva, saudade. Talvez sua pior qualidade seja estar sempre presente mesmo em longos períodos de ausência, pois toda boca que beijo e todo abraço que recebo, desejo que seja seu.
Queria o mundo, mas mal agüento o peso das coisas. Tudo me parece estranhamente grave ao passo que finjo ser nota suave de música malfeita. Levo o mundo a sério demais.
Lembrei-me de algo que desejo lhe contar. Debaixo da minha cama escondo uma caixa branca e uma pasta preta. Nelas guardo meus sentimentos passados no papel. Sou terrivelmente egoísta, faço com que eles pertençam somente a mim.
Mas há dias em que tenho ânsias, parece que vou vomitar tudo. Resisto... afinal, sou vaidosa demais pra ver tudo o que sinto jogado no chão.
Talvez o que eu mais transpareça seja a minha dor.
Certo amante, uma vez, mordeu-me enquanto fazíamos amor. Neste pequeno instante senti-me tão carne, só carne, que acabei me esquecendo que eu era também mulher.
Depois deste dia, nunca mais o vi, nunca mais o quis.
Minhas fugas...
Sempre me pergunto se um dia elas terão fim, se chegará o dia em que serei apenas eu sem minhas máscaras protetoras? Acho que não.
Sou prisioneira do que se foi. Nunca me libertarei.
O barulho da minha máquina incomoda as pessoas. Estão todos acostumados com o novo, com o ágil, temem o desafio do velho.
Eu não, amo tudo o que é velho, o que é feio, não temo o desafio. Amar o belo cansa, e a mim parece óbvio demais.
Fui abençoada com a capacidade de ver e realmente enxergar.
Tenho mania de muito falar e quase nada dizer. Nem sei se escrevo a você, ou faço dessas linhas um monólogo meu. Na verdade isso pouco importa, a mim basta a liberdade de escrever.
Ontem acordei e me lembrei de você, a música no rádio lembrava você. Tenho em mim a idéia de que é música concreta, um emaranhado de notas perfeitamente combinadas que posso tocar e, mais que tudo, sentir.
É por sentir-lhe tanto que fujo. Tenho medo de estragar sua composição perfeita com minhas suaves notas de medo e segredos.
Um comprimido... qual será sua composição? O meu deve ser composto de dor, pois a cada nova dose, um novo desespero. Mesmos assim, sigo, sem desejar a morte. Afinal, ela não me quer, já sou negra demais.
O que mais desejo é nunca lhe fulgarizar, tornar-lhe só momento, só carne... Você é minha constante e sempre será.
Difícil é lhe escrever quando tantos já o fizeram melhor. Aceito o desafio mesmo assim.
Não imito ninguém ao escrever, vou jogando as palavras ao papel como me vem à cabeça. Corro o risco de não ser compreendida, mas mesmo assim jamais irei me trair.
Talvez eu deixe esses escritos ao seu lado na cama, talvez eu lhe entregue e vá embora, ou até nunca o faça. Isso cabe a mim, somente a mim decidir. Por segurança farei duas cópias e guardarei na minha caixa.
Por amanhecer um novo dia, terei sempre meus segredos.
Por lhe querer todos os dias, choro sem ruídos o escuro.


Este é um texto de uma "amiga não-identificada" para um "amigo não-identificado". Eles me lembram uma poesia que eu escrevi um tempo atrás. Eles não podem ficar juntos. Nitroglicerina pura. Matariam-se um ao outro... uma pena. Espero que tenham desfrutado bem das paisagens aos seus olhos. Em breve, volto com mais cartas. Da próxima vez, uma "carta-splatter" de minha autoria. Beijos e abraços!!!

2 comentários:

Anônimo disse...

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