domingo, 26 de junho de 2011

Liberdade, de Jonathan Franzen

Abro o espaço, neste blog, para análises de obras literárias, algo que até então era inédito aqui.


Liberdade, de Jonathan Franzen

Tenho lido bastante, quem está por perto bem sabe.

Meu caminho nos corredores e entre as prateleiras dos sebos e livrarias quase invariavelmente se conclui nas áreas de literatura em prosa, clássicos de diversos períodos e escolas.

Porém, carecia de uma literatura que retratasse estes tempos, nossos tempos. Algo que fosse vasto e profundo, de forma diferente das crônicas que são publicadas em jornais e na internet. Algo que fosse um romance com potência suficiente para ser um clássico.

Então um dia esbarro num site que contrapõe o modelo indie-feliz-riponga daquela banda de Curitiba que se autointitula a banda mais bonita da cidade com um trecho de um livro no qual dois de seus personagens principais vão ao show de Bright Eyes, coletivo indie-folk de Conor Oberst que já é outro modelo, mais condizente com a realidade em que estamos inseridos (e não apenas aqueles personagens classe-média-estadosunidense do livro), que, porém, não deixa de ser, no mínimo, uma postura insatisfeita e "calculada", como a análise de um desses personagens leva a concluir ­- na minha opinião, acertadamente.

Como um bom filho da classe C, impregnado dos incentivos para o consumo, entro numa dessas famosas livrarias online, saco o cartão e preencho os dados da compra.

O produto é este Liberdade, de Jonathan Franzen, um "tijolão" de pouco mais de 600 páginas que esmiúça a vida de uma família que, a princípio, é bastante feliz numa St. Paul diferente da São Paulo em que resido. A do livro fica no distante Estado do Minnesota, EUA. Os cenários mudam de acordo com as mudanças de contexto: Nova Iorque, Virgínia, um lago que só ganha nome no último capítulo do livro e breves incursões à América do Sul (Argentina e Paraguai).

Claro que neste raio de visão, cabem as pequenas simpatias e antipatias dos vizinhos desses Berglund, Walter e Patty, de perfil liberal, pais de Joey e Jessica. Mas o raio se estende, não é só a família que se vê desnudada (e, por isso, a cada página mais conflitos surgem - o que se torna evidente quando Joey, já adolescente, sai de casa pra viver com a namorada-vizinha Connie). Temos que parar e seguir com nosso olhar através das décadas. 1970, 1980, 1990, 2000, 2010... nem mesmo é apenas sobre a queda das torres gêmeas e as oportunidades que surgem, em instâncias governamentais, de alguns grupos lucrarem com a chamada "guerra ao terror". Ou sobre as questões ambientais que fazem temermos (ou desejarmos) o fim do mundo como o conhecemos.

É sobre nós, é sobre a liberdade que temos e sobre cada decisão que tomamos, que necessariamente vai levar-nos a adquirir um peso que pode ser suportável ou não.

Outro elemento entra aqui, devidamente apresentado como o rocker cultuado, amigo de Walter desde a adolescência, Richard Katz, iconoclasta e "comedor", cuja figura sempre se interpõe entre Walter e Patty. Primeiro, é objeto de admiração e concorrência com o advogado e ambientalista Walter e figura platônica para Patty. Muitos anos depois, efetivamente amante da mãe de família, ex-jogadora de basquete universitário. Ao mesmo tempo, Walter se vê num conflito ético entre se entregar a um tesão devastador pela jovem assistente indiana e de pele escura, Lalitha, ou não. Esta mesma Lalitha que, de alguma forma, irá partir o coração de Walter.

Se Katz é o elemento que torna evidente o desmoronamento dos Berglund, mais tarde será ele quem incentivará um movimento redentor e de reconstrução, ele mesmo que, em tempos de crise íntima com seu papel no mundo, abandona os palcos e volta a construir deques para ricaços. Katz é essa espécie de criador-destruidor que tanto pode gravar um disco (que se torna sucesso) sobre o local onde esteve mais íntimo de Patty, como pode gravar uma canção para um velho amigo destruído e solitário que passa a importunar a vizinhança emergente a respeito de gatos e pássaros.

Nem sempre simpáticos nem sempre insuportáveis. Ora o leitor se vê a favor de determinadas atitudes, ora se vê praguejando por seus enganos. São pessoas como nós, que nem sempre se dão conta da amplitude do que são e representam. Que enlouquecem num mundo que parece cada vez mais transtornado e sem bases onde podemos nos fixar. As próprias definições de "conservador" e "democrata" se confundem e isso fica bastante claro nos eventos em que tanto Walter como Joey se veem envolvidos.

Como é dito em algum momento, não estamos travando uma guerra perfeita num mundo perfeito. Por isso, o maior mérito de Liberdade e, logicamente, de seu autor, longe de querer recuperar bases perdidas, é não trapacear, optando por lados que já não existem. No mais, excelente leitura, potencial clássico em poucos anos.

Liberdade
Jonathan Franzen
Cia. das Letras
Entre R$ 32,90 e R$ 37,20

Beijos e abraços, pessoal!

NO VIDEOCASSETE

Nenhum comentário: