Meu Epitáfio (Cora Coralina)
Morta... serei árvore
serei tronco, serei fronde
e minhas raízes
enlaçadas às pedras de meu berço
são as cordas que brotam de uma lira
Enfeitei de folhas verdes
a pedra de meu túmulo
num simbolismo
de vida vegetal
Não morre aquele
que deixou na terra
a melodia de seu cântico
na música de seus versos
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Poética (Manuel Bandeira)
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Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação
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Minha Namorada (Vinícius de Moraes)
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Se você quiser ser minha namorada
Ah, que linda namorada
Você poderia ser, se quiser ser
Somente minha, exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser...
Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento:
Ser só minha até morrer...
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber porque...
E se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, minha amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo em meu caminho
E talvez o meu caminho
Seja triste pra você...
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
E os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois.
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Menina (Octávio Paz)
tradução de Olga Savary
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Entre a tarde que se obstina
E a noite que se acumula
Há o olhar de uma menina.
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Deixa o caderno e a escrita,
Todo seu ser dois olhos fixos.
Na parede a luz se anula.
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Olha seu fim ou seu princípio?
Ela dirá que não vê nada.
É transparente o infinito.
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Nunca saberá o que olhava.
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Ser (Carlos Drummond de Andrade)
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O filho que não fiz
hoje seria homem.
Ele corre na brisa,
sem carne, sem nome.
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Às vezes o encontro
num encontro de nuvem.
Apóia em meu ombro
sem ombro nenhum.
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Interrogo meu filho,
objeto de ar:
em que gruta ou concha
quedas abstrato?
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Lá onde eu jazia,
responde-me o hálito,
não me percebeste,
contudo chamava-te
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como ainda te chamo
(além, além do amor)
onde nada, tudo
aspira a criar-se.
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O filho que não fiz
faz-se por si mesmo.
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Eu (Florbela Espanca)
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Até agora eu não me conhecia,
julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.
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Mas que eu não era Eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, não o dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... E não me via!
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Andava a procurar-me - pobre louca! -
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!
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E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!
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Doomsday (Jorge Luis Borges)
tradução de Pepe Escobar
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Será quando a trombeta ressoe, como escreve São João o Teólogo.
Foi em 1757, segundo o testemunho de Swedenborg.
Foi em Israel, quando a loba cravou na cruz a carne de Cristo, mas não só então.
Ocorre em cada pulsação de teu sangue.
Não há um instante que não possa ser a cratera do Inferno.
Não há um instante que não possa ser a água do Paraíso.
Não há um instante que não esteja carregado como uma arma.
Em cada instante podes ser Caim ou Sidarta, a máscara ou o rosto.
Em cada instante pode te revelar seu amor Helena de Tróia.
Em cada instante o galo pode ter cantado três vezes.
Em cada instante a clepsidra deixa cair a última gota.
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Palavras (Sylvia Plath)
tradução de Ana Cristina César
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Golpes
De machado que fazem soar a madeira,
e os ecos!
Ecos partem
Do centro como cavalos.
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A seiva
Jorra como lágrimas, como a
Água lutando
Para repor seu espelho
Sobre a rocha
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Que cai e rola,
Crânio branco
Comido por ervas daninhas
Anos depois as encontro
Na estrada -
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Palavras secas e sem rumo,
Infatigável bater de cascos.
Enquanto
Do fundo do poço estrelas fixas
Governam uma vida.
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Depois da Chuva (Eugenio Montale)
tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti
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Sobre a areia molhada surgem ideogramas
de pés de galinha. Olho para trás
mas não vejo nem santuário nem asilo de aves.
Terá passado um ganso cansado, ou talvez manco.
Não saberia decifrar aquela linguagem
ainda que fosse chinês. Uma simples aragem
a apagará. Não é verdade
que a Natureza seja muda. Fala ao deus-dará
e a única esperança é que não se ocupe
muito da gente.
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caixa baixa
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descobri que gosto das letras
minúsculas.
porque tudo é árido e nu.
maiúsculas definem (enfeitam?)
mas o mundo, ao menos o meu,
é árido e nu.
então, porque não suprimo a
pontuação?
não sei, ainda não descobri.
ainda acredito em MUDANÇAS?
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Bom, aí está minha homenagem a tantos poetas (e faltaram tantos outros...) admiráveis. Claro que não resisti e coloquei um meu também, Caixa Baixa, que é a poesia que está na quarta capa do meu livro, Palavra Atômica, que deverá ter uma segunda edição (destavez, por conta própria) no segundo semestre deste ano.
Isso é tudo por hora, amigos viajantes. Se vocês conseguiram chegar até o fim desta seleção de poesias, beijos e abraços!!! Se não conseguiram, beijos e abraços da mesma forma! Eh eh eh!!! Até breve, quando partirmos em mais uma viagem ao âmago da palavra!!!
Um comentário:
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