sábado, 3 de maio de 2008

O joelho de Claire

Ai, ai... feriadão, tempo de agitar, pra uns. Talvez pra mim. Mas nesta sexta chuvosa não havia o que fazer. Ou havia, mas era mais cômodo estar em casa, com bons filmes ou bons livros. Resultado: procurei alguns títulos em minha humilde videoteca e me deparei com uns franceses falando demais... então resolvi que seria a hora de prestar atenção ao que esse tal de Rohmer, um dos maestros da Nouvelle Vague, tinha a dizer. Então, vamos lá?

O Joelho de Claire
Eric Rohmer - França - 1970

Vou tentar não me estender muito sobre o filme, pois o diálogo entre os amigos Jerôme e Aurore será suficiente. Apenas cuidarei de dar as informações preliminares.

Ele, um diplomata, com casamento marcado, um homem culto e com idéias muito próprias sobre o amor. Ela, uma escritora que usa Jerôme como um personagem de uma futura história, um jogo que ele aceita de bom grado.

O lugar é o lago de Annecy, leste da França, onde ele tem uma propriedade que pretende vender. Aurore passa férias em uma casa de família neste mesmo lago. É no amplo jardim desta casa que tem lugar a conversa abaixo, a respeito do jogo que, a princípio, envolvia uma situação amorosa entre Jerôme e a adolescente Laura, filha da dona da casa onde estão. No entanto, tudo muda quando ele conhece outra jovem, Claire, meia-irmã de Laura.

Agora saio de cena e permito que leiam. Antes, apenas advirto que os espaços em brancos representam pausas que ora existem no filme, ora foram manipuladas por mim de forma a tentar deixar fluir o texto mais... literariamente, talvez.

Jerôme Sabe...
Aurore
O quê?
Jerôme Não, nada...

Jerôme O engraçado é que não é mais você quem forja o romance; sou eu. Tenho uma idéia. Mas receio que minhas idéias...
Aurore Não, diga.
Jerôme Não... precisa adivinhar. Trata-se de uma idéia, não de um fato vivido.

Jerôme Levei meu papel de cobaia tão a sério que fui mais longe. Colocando-me na pele do personagem, julguei-me capaz de sentir algo que não é bem o que sinto. Aliás, não sinto nada. Saiba que deixei de correr atrás de mulher. Qualquer uma. Verdade, adulta ou adolescente. Enfim, eu, pessoalmente.

Jerôme Já falei demais, não? Não percebe?
Aurore Quer dizer que pôs o ponto final. Mas não para o seu personagem, espero. Ele prolonga a experiência.
Jerôme Não, não! Falava de mim. O personagem também pôs, ao menos nessa experiência.
Aurore Então acabou tudo?
Jerôme Nesse caso, sim. Mas...
Aurore ''Mas'' o quê?
Jerôme Claro, não vejo como você poderia adivinhar algo... é que é uma idéia pura, da minha cabeça.

Jerôme Na verdade, não é bem uma idéia pura. Laura desconfiou, tenho certeza. O problema é que, enquanto falo... dou à coisa uma importância que ela não tem.

Jerôme Seria divertido você adivinhar. Mas não vai adivinhar nunca, então eu conto: com a Laura, acabou mesmo.
Aurore Sim. E daí?
Jerôme Acabou com a Laura.
Aurore Claire, por exemplo! Não me diga que ela também...
Jerôme Não. É só uma idéia. Não de que ela esteja apaixonada, mas de que me interesso por ela.
Aurore Um clássico: ela ama outro.
Jerôme Mas, se ela não me interessasse, isso não me afetaria em nada. Digamos que ela me perturba. Ela perturba meu personagem e um pouco a mim.

Jerôme Nem valeria a pena mencionar se você não se interessasse.

Aurore Ela o perturba... como? Pelo corpo?
Jerôme Sim. Ela me perturba fisicamente, porque é só o que eu conheço. Nunca conversamos realmente. Teria dificuldade de falar com ela.
Aurore Ela intimida você.
Jerôme Sinto fragilidade diante de muIheres assim. Você entende?
Aurore Tive essa sensação diante de alguns rapazes muito bonitos. É gozado você confessar timidez.
Jerôme Mas sou muito tímido. Sempre me dispensaram do primeiro passo. Nunca tentei conquistar uma mulher que já não fosse favorável a mim.
Aurore E essa agora?
Jerôme Essa... é estranho. Provoca em mim um desejo certo, mas sem objetivo. E, por isso mesmo, mais forte. Puro desejo. Desejo de nada.

Jerôme Não quero fazer nada, mas sentir esse desejo me incomoda. Pensava não achar mais nenhuma mulher desejável. E não quero nada com ela, nem se ela se atirasse nos meus braços.
Aurore Ciúme?
Jerôme Não, não. Mesmo sem querer nada com ela, fico achando que tenho certo direito sobre ela. Um direito que nasce da força do meu desejo. Algo que senti há muito tempo e agora volto a sentir intensamente.

Jerôme A agitação que ela provoca em mim... me dá um certo direito sobre ela.

Jerôme Sabe, estou convencido de merecê-la mais que qualquer outro. Ontem, por exemplo, no tênis, observava os namorados e pensava que toda mulher tem um ponto vulnerável. Para umas, é onde nasce o pescoço, a cintura, as mãos; para Claire, naquela posição, naquela luz, era o joelho. Foi o pólo magnético do meu desejo. Nesse ponto preciso, se pudesse seguir esse desejo, ignorando o resto, teria posto a mão. E foi ali que o namorado pôs a dele, de forma inocente e bobinha. Essa mão era sobretudo burra, e isso me chocava.
Aurore Fácil! Ponha a mão no joelho dela. Está feito o exorcismo.
Jerôme Isso é o mais difícil. Uma carícia deve ser consentida. Seria mais fácil seduzi-la.

Em contraposição a tanta verborragia, saio de fininho, sem nada mais contar. Beijos e abraços, pessoal!

Oh, oh... estava esquecendo de deixar um clipezinho do filme. Pena que não há legendas, mas dá pra ter mais uma idéia, creio.



NA MINHA VITROLA: LEGIÃO URBANA - L'Avventura > ELLIOTT SMITH - Cupid's Trick > Coming Up Roses > ZECA BALEIRO - Musak > RADIOHEAD - Down Is the New Up.

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