sexta-feira, 29 de outubro de 2004

Uma madrugada fria...

Olá, senhores passageiros. Que madrugada fria, não? Mas que é isso? Não se contentem em se proteger com cobertores e agasalhos, não fechem os olhos para forçar o sono. Olhem da janela a paisagem que agora se oferece a vocês:

Escatológica

Ai, musa escatológica
Onde foi que errei-te na imaginação?
Imaginei-te tão bela para o meu deleite
E eras... aliás, és bela como a hora marcada
Mas não é em tua beleza que reside meu dilema
Talvez no engano de pensar-te minha
Quando ninguém jamais foi digno de vê-la, menos ainda de tocá-la
Não é a merda do que são os dias
Eu te vejo todo o tempo olhando para o mundo
Vejo-te escolhendo uns, renegando outros
Vejo-te regando as flores do jardim de teu reino
E nada de olhares para mim...
Mas sabe que reuno forças
Sim, forças para realizar o meu mais pérfido plano
Que é o de renegar-te
No entanto, já adivinhas meu jogo e ris da disposição das peças no tabuleiro
És uma má musa, deveras
E eu choro de abandono
Agora me vem à mente uma decisão tentadora
Sim, é isso... agora sei o que faço!
Não te quero mais, pelo menos por enquanto
Na verdade, já gastei meus "ais", todos eles, mas nunca fui homem o bastante para encarar-te
E quem seria, não é, musinha tão ordinária?
Então abandono todas as expectativas sobre nosso encontro
Abandono todas as esperanças de um futuro enlace
Andarei pela Terra toda sem jamais pensar em ti, a partir de hoje
Não será uma negação, nem isto mereces
Só buscarei o esquecimento
Oxalá me envolvam as nuvens da ignorância
Maldita sejas tu e tua natureza
Pois que tudo aconteça e eu ignore
Que me faltem as dores e eu tolamente gargalhe, na luxúria habitual dos humanos
Que eu adormeça e sonhe com as crianças de sorrisos mais doces
Nada, nada irá amparar-me verdadeiramente
E quando eu estiver menos alerta é que irás arrebatar-me o coração
Que imundícies praticaremos juntos, então...
E eu, que julgar-me-ia tão feliz, tão humano
Cessaria de ser
Mas deixa-me, deixa-me, escatológica musa!
Deixa-me, que por ora serei de outra


Desolada Babilônia

Trinta mil tetraplégicos
Todos enfileirados, sentadinhos em suas cadeiras de rodas
Não fazem balbúrdia, são discretos
Os profetas de Allah no Iraque


Este não é um número preciso, trinta mil...
São tantos que poderiam ser 20, ou 50... talvez 300 mil


De longe, no deserto, imaginam os saques, as cidades incendiadas
Todas as variedades de violação
Imaginam também as esposas deixadas em algum lugar
Cuidando dos filhos que alimentarão os incentivadores das guerras
Sonham que estão em casa, com uma esposa dançando uma dança sedutora
Com os bons tempos em que era possível satisfazê-la


Não agora... permanecem calados, os olhos baixos
Apenas aguardando fatos que o profeta maior deles antecedeu


São os troféus da discórdia, da intolerância

Trinta mil deles, enfileiradinhos no deserto... quem sabe lá quantos, de verdade?

Democracias, Ditaduras, Rios Rubros e Pesadelos

dois sonhos

um, o da bandeira estrelada
terra das oportunidades, democracia

outro, de foice e martelo
de trabalho e igualdade, o mundo melhor

ambos esfacelados
o deus dos negócios
que foi feito de tudo?
armas biológicas?
rios rubros?
igualdade = sangue derramado
justifica?
ainda que pela força, igualdade?

senhor dos engodos
mestre dos conchavos
qual chave para sair desta cela?
não vais dizer
és muito forte
tens tantos nomes
Europa o compreende
tornaram-no uno em um só nome
América novamente colonizada

eis os sonhos, hoje pesadelos
eu quis lutar por um sonho
agora luta é sobreviver
não às sedutoras necessidades impostas de uns
e outros são "hay que sobrevivir sin ternura"

a frase já foi diferente
verdade mil vezes repetida
tornada mentira
na velha cortina algo desastroso
na pequena ilha, ao menos controverso
revolução é outro lugar, utopia

dois sonhos, um só pesadelo
o povo sabe
revolução a ele não interessa

és grande vencedora
mentira das mentiras
celulares e laptops
um cruzeiro no Caribe
veja que povo miserável
mas de sorriso dócil

uma pena...
ambos sonhos enterrados


Bom, espero que vocês sobrevivam a esta parte da viagem, que percebo, parece-lhes amarga e triste. Não se zanguem, pois os momentos alegres estão próximos. O sol já vai brilhar. Beijos e abraços, meu povo.

2 comentários:

Barbara disse...

Qualquer hora dessas você faz um mix, aí a moça fica com sorriso dócil e a galera fica bem. Claro que espero que mesmo tornando as coisas mais =) seus textos continuem maravilhosos assim.
Bem vindo devolta =)
Beijos da nova casinha (resfriada)
http://estreladistante.blogspot.com

Neysi disse...

Toda viagem tem seus trechos sombrios, melhor passar por eles com os olhos bem abertos. Valeu a visita lá,sr maquinista, quando quiser um café apareça!
Neysi