terça-feira, 18 de outubro de 2011

Um adeus


Não sei o que houve com as imagens deste blog. Tampouco quero saber.

Quero facilitar a vida.

Há tantos quebra-cabeças. Não quero mais este.

Este corpo morre, mas haverá outro que nascerá.

Eu os avisarei quando e onde.

Beijos e abraços, pela última vez, neste espaço.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

De tantas mortes minhas

Sou você e você é o que sou. Tudo vai, tudo retorna. Não é kardecismo, talvez seja Nietzsche. Os processos da vida... em que nos misturamos e compartilhamos as mesmas histórias. Porque o que muda é um detalhe ou outro, um contexto. As histórias, porém, são universais. Por isso você é eu e eu sou o que você é.

Um poema universal, abaixo:


De tantas mortes minhas

Morto.
Um rombo no peito.
Era o estado em que me encontrava.

Embora marinheiro com uma mulher em cada porto,
potencialmente,
só via aquela que extraíra de mim as forças
quando cortou meus cabelos.

Vi o sol de muito perto
após ter pego emprestada as asas derretidas
do rapaz Ícaro.

Depois, fui levado escravo à Mesopotâmia,
mas eu sabia, era filho daquele sem nome,
seria liberto.

Rápido eu fui. Rápido demais: bati meu carro em Ímola.
Não sobrevivi.

Já tive morte de cinema. Já fui Ferdinand.
E, literalmente, explodi.

Já fui assassinado por alguém que lia
O Apanhador no Campo de Centeio.

Em meio a tudo,
tive a glória, fui ovacionado

e já me lincharam num ato que foi transmitido
pelas TVs em nível mundial.

Também já morri sentindo o frio glacial,
numa rua movimentada da metrópole.
Nem repararam.

Choraram frente a meu túmulo,
mas os vermes não me roeram,
pois deu-se um cordial desenlace com a morte.
Ganhei a partida de xadrez,
e pude outra vez retornar.

Sempre retorno. A cada dia, mês, ano.

A cada retorno meu,
vibram de satisfação em todo o globo.
Sou reconhecido
pelo pequeno remelento na porta do barraco,
embarco nos sonhos da fina dama em trajes íntimos
que aguarda o amante.
Sou reconhecido pelos feirantes
e moradores de rua,
também pelos estilistas
e revisores de texto.

Conhecem meu trajeto,
ainda que não se deem conta
que incógnito vou
fazendo meu caminho de mil óbitos
e outros mil ressurgimentos.

É que sou cada um deles.
Desapareço no fundo do mar
para emergir com ar renovado.

Todos no mundo conhecem esta minha qualidade,
mas não sabem que, a cada dia,
também vão e retornam.

Assim seguirá acontecendo enquanto o sertão não virar mar,
enquanto o mar seguir estampando antigos cartões postais.

Sou cada um desses tais.
E cada um deles vive em mim.

As ruas andam em mim enquanto ando pelas ruas.
Penso em versos de poemas sem rima nem métrica.
A cabeça erguida,
um sorriso emudecido, porém constante,
entre a multidão que caminha de acordo com os horários marcados.

O estado em que me encontro novamente.

Beijos e abraços, pessoal!

NO VIDEOCASSETE

domingo, 11 de setembro de 2011

Apenas

Poema de solidão.

De medo. De palavras que não se dizem mais, fora de moda que estão.

Pensamentos afastados, fora de questão. Poema de nosso tempo.

Fora de nosso tempo.

Cena de Através de um Espelho, filme de Ingmar Bergman, de 1961.

Apenas
Um poema meu, com base na trilogia do silêncio de Deus, por Ingmar Bergman.

Ela ergueu os olhos para o céu,
eu vi,
eu a vi esperar por uma resposta.

Mas encontrou apenas o vazio.

Não há nada acima
ou abaixo.
Nada lá fora.
Apenas o corpo abandonado

e algum pensamento.

Que logo é afastado.
Faz-se necessário sorrir.

E sorri.

Há o consolo da esperança
na mais absoluta solidão.

Sinto que ela volta a fazer de conta,
é tão fácil perceber.

Há um deus-aranha esperando por cada um.

Carinho, medo da guerra, apego, palavra, sexo, morte, angústia, esquizofrenia, "que imagem ridícula", "Deus é amor e amor é Deus", silêncio... apenas.

A palavra...
A palavra parte
de si
e se perde no ar
,
apenas um eco tímido.


Ela pegou suas muletas e partiu.

Deixou-me só com o vento gélido
e meus pensamentos anacrônicos.

Apenas.

A cena abaixo é do filme O Silêncio, de Ingmar Bergman, de 1963.

Isso é tudo por hoje, pessoal!

NO VIDEOCASSETE

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Geração 21

Um retrato infiel dessa época. Infiel porque não completo, é só a visão de quem escreve. Porém, um retrato sincero, a despeito de ser infiel. Paciência! Não se pode ter todas as virtudes, não é mesmo?


Geração 21

My generation, século 21, é isto:
muita masturbação e algum sexo selvagem.

Quase nada de amor.

Pequena palavra para emoldurar cenas de telenovelas
para umas poucas donzelas sonhadoras sonhativas sonhopositivas.

Os heróis ainda morrem de overdose,
mas a maioria morre mesmo
é com a barriga proeminente proevidente grudada em uma mesa de escritório,
seus traseiros quadrados em belas cadeiras giratórias giradouras.

Poesia não compensa,
o crime é glorificado.
Sobretudotodos quando é de cima para baixo.

Podem encontrar-se em qualquer parte do mundo,
mas quase nunca alguém
na vida
realmente
se encontra.

Política é a prática mais em voga.
Estamos todos bem,
com nossos aparelhos multitarefas e tarifas irrisórias irrisonhas,
armaduras de speakers e sunglasses,
frases de bem-estar
originárias de romances
psicografados.
Comidinha saudável saudável
e rotina de academia.

Não se preocupe, mãe!
My generation usa flavoured condoms
e pílulas do dia seguite.

E é a gente mais fudida que eu conheço.


Beijos e abraços, pessoal!

NO VIDEOCASSETE

Aos vivos

Ah, sim! O sarau "Rock 'n' Roll, Mothafuckeeeeeeeeer!!" foi ótimo.

Ainda que com alguns imprevistos. Mas foi algo que fez renascer uma vontade de produzir mais. Por mim, por esses amigos que se foram.

Mas que prosseguem conosco a cada linha escrita.

Emoção reservada aos amigos e familiares. Uma homenagem simples e todos juntos no mesmo grito - o mote deste evento.

Há um poema que escrevi para o evento, para os amigos. Agora posto-o aqui:

O jardim das delícias, de Hieronymus Bosch.

Aos Vivos

Vamos abrir cada garrafa
e deixar cheios cada copo deste lugar
até esvaziá-los e, sim,
todos à vontade para mais e mais e mais e

Porque hoje vamos festejar,
celebrar a vida dos que já partiram,
dos que prosseguem,
ouvindo uma canção tanto quanto nós.

Festejamos o fim de tudo:
Os mil poemas que não escrevemos,
escondidos
sob incontáveis pilhas de papéis.
Demonstrativos bancários,
planilhas de gastos,
provas de livros sobre como emagrecer à base de uma dieta de lentilhas
e faturas vencidas da TV a cabo.

– Estação Brás, plataforma 3, acesso à linha 3 do Metrô – (uma fratura no verso)

Queremos esta festa,
realizada para satisfazer amigos que não vieram
e brindar ao Rubão,
ao Caio,
porque, raios, eles aqui estão,
em cada um de nós,
contrariando a lógica das tardes rápidas de um cotidiano sem graça.
Eles estão aqui, sorriem e bebem conosco.

Nada de lamentar o tempo não vivido,
não dividido.
Nós sorrimos
e conversamos
e estivemos em tantas festas
como agora estamos: bêbados e loucos
amparávamo-nos, celebrando a morte de Deus,
a morte de Nietzsche.

Pouco importa agora a vitória do Santos ou a vergonha que veste amarelo.
Pouco importa que amanhã venderemos nossos neurônios
em atividades pouco excitantes.
Menos ainda farão diferença os amantes da técnica, os que agem conforme os manuais.
Ou o vaso grego.
Ou chinês.
Não importa também de onde venha o tal vaso.
Estamos amando cada vez mais o verso livre e On the Road.
A prosa poética, o poema prosaico. A rosa do povo.
O verso de Bandeira,
que não esteja mais farto.
Onde quer que esteja, que esteja conosco.

Vamos bradar o brado do grande campeão:
Rock ‘n’ roll, mothafuckeeeer!!
Ao longe, os bardos que cantam à vida
vêm chegando.

A despeito da teoria burocrática da administração,
da falta de tempo,
dos trens lotados,
da falta de amor,
dos beijos roubados,
da falta de vida.

Há muitos lá fora que estão menos vivos que Caio e Rubens.

Azar. O azar do mundo de-menos-riso,
menoárvores,
menofrutas,
menoflores. Menos pausas agora.
Vamos plantar novamente,
neste vaso nada grego, nada chinês.
Vamos gerar novos frutos
e sorrisos.
E festejar. Porque não estamos mortos.
Nem os nossos podem estar mortos em nós.

É isso, pessoal! Beijos e abraços!

NO VIDEOCASSETE

sexta-feira, 1 de julho de 2011

O que há além da tormenta

Há algo.

Aquilo que há, em tempos difíceis, e que nos protege da falta de lucidez.

Assim, como o mundo se torna cada vez mais complexo e ágil e sem alma, é necessário buscar o que há além da tormenta.

Este poema é para quem busca algo a mais, sempre se esquivando de cada obstáculo imposto.


O que há além da tormenta

Quando os tempos são horríveis,
é necessário algo belo para contrastar.

Quando o mundo exige pressa e você perde o fôlego,
mais precisa caminhar com vagar,
olhar para as coisas ao redor...
e apreender delas algum sentido.

Ou simplesmente senti-las, para que não morra sem havê-las sentido.

É próprio dos que fazem horrendo o tempo
morrer sem tomar ao menos uma mínima nota mental
daquilo que há de mais simples e profundo.
Morrem enquanto olham pela janela,
enquanto chove torrencialmente e não enxergam nada além da perplexidade temporal.

Se a tempestade não permite a visão do jardim,
precisa recorrer à memória de um recanto florido
ou uma esperança em cores.

Nunca se acostume com a visão turva,
a fumaça nauseante,
as buzinas que ensurdecem,
o toque dos mortos em vida
ou o paladar estragado pelo veneno
que nos oferecem.

Nestes tempos horríveis,
é necessário aguçar os sentidos
e buscar.

Ainda haverá, além da tormenta, certa beleza.

Beijos e abraços, pessoal!

NO VIDEOCASSETE

domingo, 26 de junho de 2011

Liberdade, de Jonathan Franzen

Abro o espaço, neste blog, para análises de obras literárias, algo que até então era inédito aqui.


Liberdade, de Jonathan Franzen

Tenho lido bastante, quem está por perto bem sabe.

Meu caminho nos corredores e entre as prateleiras dos sebos e livrarias quase invariavelmente se conclui nas áreas de literatura em prosa, clássicos de diversos períodos e escolas.

Porém, carecia de uma literatura que retratasse estes tempos, nossos tempos. Algo que fosse vasto e profundo, de forma diferente das crônicas que são publicadas em jornais e na internet. Algo que fosse um romance com potência suficiente para ser um clássico.

Então um dia esbarro num site que contrapõe o modelo indie-feliz-riponga daquela banda de Curitiba que se autointitula a banda mais bonita da cidade com um trecho de um livro no qual dois de seus personagens principais vão ao show de Bright Eyes, coletivo indie-folk de Conor Oberst que já é outro modelo, mais condizente com a realidade em que estamos inseridos (e não apenas aqueles personagens classe-média-estadosunidense do livro), que, porém, não deixa de ser, no mínimo, uma postura insatisfeita e "calculada", como a análise de um desses personagens leva a concluir ­- na minha opinião, acertadamente.

Como um bom filho da classe C, impregnado dos incentivos para o consumo, entro numa dessas famosas livrarias online, saco o cartão e preencho os dados da compra.

O produto é este Liberdade, de Jonathan Franzen, um "tijolão" de pouco mais de 600 páginas que esmiúça a vida de uma família que, a princípio, é bastante feliz numa St. Paul diferente da São Paulo em que resido. A do livro fica no distante Estado do Minnesota, EUA. Os cenários mudam de acordo com as mudanças de contexto: Nova Iorque, Virgínia, um lago que só ganha nome no último capítulo do livro e breves incursões à América do Sul (Argentina e Paraguai).

Claro que neste raio de visão, cabem as pequenas simpatias e antipatias dos vizinhos desses Berglund, Walter e Patty, de perfil liberal, pais de Joey e Jessica. Mas o raio se estende, não é só a família que se vê desnudada (e, por isso, a cada página mais conflitos surgem - o que se torna evidente quando Joey, já adolescente, sai de casa pra viver com a namorada-vizinha Connie). Temos que parar e seguir com nosso olhar através das décadas. 1970, 1980, 1990, 2000, 2010... nem mesmo é apenas sobre a queda das torres gêmeas e as oportunidades que surgem, em instâncias governamentais, de alguns grupos lucrarem com a chamada "guerra ao terror". Ou sobre as questões ambientais que fazem temermos (ou desejarmos) o fim do mundo como o conhecemos.

É sobre nós, é sobre a liberdade que temos e sobre cada decisão que tomamos, que necessariamente vai levar-nos a adquirir um peso que pode ser suportável ou não.

Outro elemento entra aqui, devidamente apresentado como o rocker cultuado, amigo de Walter desde a adolescência, Richard Katz, iconoclasta e "comedor", cuja figura sempre se interpõe entre Walter e Patty. Primeiro, é objeto de admiração e concorrência com o advogado e ambientalista Walter e figura platônica para Patty. Muitos anos depois, efetivamente amante da mãe de família, ex-jogadora de basquete universitário. Ao mesmo tempo, Walter se vê num conflito ético entre se entregar a um tesão devastador pela jovem assistente indiana e de pele escura, Lalitha, ou não. Esta mesma Lalitha que, de alguma forma, irá partir o coração de Walter.

Se Katz é o elemento que torna evidente o desmoronamento dos Berglund, mais tarde será ele quem incentivará um movimento redentor e de reconstrução, ele mesmo que, em tempos de crise íntima com seu papel no mundo, abandona os palcos e volta a construir deques para ricaços. Katz é essa espécie de criador-destruidor que tanto pode gravar um disco (que se torna sucesso) sobre o local onde esteve mais íntimo de Patty, como pode gravar uma canção para um velho amigo destruído e solitário que passa a importunar a vizinhança emergente a respeito de gatos e pássaros.

Nem sempre simpáticos nem sempre insuportáveis. Ora o leitor se vê a favor de determinadas atitudes, ora se vê praguejando por seus enganos. São pessoas como nós, que nem sempre se dão conta da amplitude do que são e representam. Que enlouquecem num mundo que parece cada vez mais transtornado e sem bases onde podemos nos fixar. As próprias definições de "conservador" e "democrata" se confundem e isso fica bastante claro nos eventos em que tanto Walter como Joey se veem envolvidos.

Como é dito em algum momento, não estamos travando uma guerra perfeita num mundo perfeito. Por isso, o maior mérito de Liberdade e, logicamente, de seu autor, longe de querer recuperar bases perdidas, é não trapacear, optando por lados que já não existem. No mais, excelente leitura, potencial clássico em poucos anos.

Liberdade
Jonathan Franzen
Cia. das Letras
Entre R$ 32,90 e R$ 37,20

Beijos e abraços, pessoal!

NO VIDEOCASSETE

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Sobre Rubens


Sobre Rubens

Deixa saudade.

Símbolo de um tempo, não muito distante, em que inocentemente acreditava que poderia viver e criar intensamente sem pagar um preço alto. Se "os de fora do círculo" criassem problemas, era só um poema e uma gelada, depois do expediente, que tudo estava, senão bem, melhor. Respirávamos

poesia

e



rock 'n' roll, mothafucker! (como ele dizia)

O amigo Mafra foi a um bar. Pediu uma cerveja. Escrevia algum poema em seu caderno. Foi ao banheiro. Quando volta, encontra o cara que devia estar atrás do balcão lendo seu caderno. Era um início.

Depois, fui lá, com o Mafra. Neste bar, o Gruta. Descemos as escadas e tocava algum jazz. Não lembro o quê. Era final de 2005, algo assim. Faz tempo.

Frequentamos o lugar. Fazíamos festas e saraus de poesia. Bebíamos mais que o bom senso permitiria. Éramos excessivos, mas estava tudo bem. Rubens estava lá. Emprestava vida ao lugar, que nunca era tão bacana sem ele. Tornou-se um Prop(h)ano, que era o nome de nosso grupo de poetas e amigos.

Dava-me dicas de como apresentar melhor meus poemas. Minha dicção não era boa e eu era um pouco... apavorado. Ajudou, sim.

Chorou comigo quando o pai dele falecera. Uma vez, fomos à casa de uma de suas filhas e passamos horas organizando sua coleção imensa de discos de vinil. Naquele dia, ele fez uma foto minha segurando uma placa da rua da Consolação que ele conseguira de algum modo pouco usual.

Deu em cima da Talita. Não colou. Todos nós o adorávamos. He made housecalls. E isso é uma piada interna.

Passei uns bons dias em Ubatuba, quando ele se mudou pra lá, pra viver com a Beth. Não deu certo. Penso que era difícil, pras mulheres, lidar com ele. E muito fácil pros amigos.

Era o mito. O cara que esteve muito perto de Woodstock, mas não conseguiu chegar porque estava muito doidão pra isso. Vivia de traduções e atrás de balcões de bar.

Tinha planos literários surreais. Fez teatro e, pelo que sei, recentemente havia participado de um curta, ou algo do gênero. Não cheguei a ver.

Lia com emoção e desenvoltura alguns poemas meus e de nossos amigos.

Ficamos cerca de um ano e meio afastados. Voltei a vê-lo em abril de 2011. O Pituca não sabe (ou não sabia até ler esse texto), mas Rubens não me cobrou pela cerveja. Acho. Sei lá. Foi a última vez que nos vimos.

Em 19 de junho de 2011, ele estava no mesmo bar, aquele ao qual ele sempre emprestava vida. E lá a vida o abandonou. Enfarto. E a demora habitual do socorro.

Não creio em céu ou inferno. Não creio em outras vidas. Mas se eu estiver enganado, espero que Rubens encontre Hendrix.

Beijos e abraços, pessoal!

NO VIDEOCASSETE

quinta-feira, 28 de abril de 2011

sábado, 23 de abril de 2011

A casca

Poema sobre um homem, duas épocas e locais distintos e um processo de despersonalização.


A Casca

há tempos para trás ficara
o acanhamento das ruas,
os espaços gramados
e os sorrisos da gente simples
do lugar onde nasceu.
memória em branco e preto guardada
como filme ou
sonho.

tudo se tornara concreto,
incluso o tempo,
que passa lento
na larga avenida engarrafada.
nos intervalos, fez parceria
e família:
às 7, levar as crianças;
às 8, trabalho
e toda rotina
cinzenta como a parede do edifício no qual costuma estar,
segunda a sexta,
para aquietar-se escondido.
Quase impossível adivinhá-lo a uma janela
fechada perto das nuvens.

na semana,
comprometia-se
com tarefas,
fez progresso material
e alguns poucos conhecidos
cumprimentavam-no quando passava
apressado
para almoçar em qualquer local.

finais de semana em centros de compras
para alegrar esposa; cinema e pipoca para as crianças.
finais de semana na igreja
e no sofá da sala.
vez por outra,
torceu para a seleção e
tinha a camisa de um dos grandes da capital.
era melhor não usá-la em dias de clássico...

voltava semana seguinte
reproduzindo opinião,
votando na direita ou na esquerda
sem muito pesar nem pensar.
gabava-se por dentro ser alguém entre ninguéns.
dizia-se contra o aborto
e a favor da cerveja na mesa do boteco
após o expediente.

nunca mais voltara à origem...
até então.

hoje a estrada
e a visão de tudo o que conhecera
preenche seu olhar.

avança o ônibus país adentro
e em si tudo revive:
peladas animadas
em acanhadas ruas,
os espaços entre gramas
em que primeiramente caminhou
de mãos dadas
com uma menina de sorriso simples.

agora
nada mais os separa:
homem e lugar.

tantos anos mais velho...
muitos saíram,
como ele saiu.
alguns foram para longe,
para um lugar de onde
nunca voltarão.

outros permanecem os mesmos
assim como árvores,
bancos de praça
e a velha receita de torta de milho da avó,
atualmente reproduzida por uma prima.
igualzinha, igualzinha...

deparou-se com
crianças que nunca conheceu,

casos e piadas dos quais não se recordou
e o sorriso envelhecido que se tornara amargo.
Era o dele
frente a alguém que nem de longe lembrava a namorada
dos catorze anos.

não é o mesmo.
precisa voltar ao concreto,
compromissos
família e
sofá da casa.
não há mais peladas
e a memória se revela enganadora.

nada mais sente.

escolhas separam
homem e lugar.

Ainda bem que nem sempre é assim.

Beijos e abraços, pessoal!

NO VIDEOCASSETE

domingo, 3 de abril de 2011

quinta-feira, 24 de março de 2011

Breve ruminar de um mamífero bípede sonolento

Ah, o dia após o outro dia após o outro dia após o ou...


E sempre lidando com as mesmas questões. Pois bem... é assim para quase todos nós. Então aproveito-me da rotina para, apenas, ruminar o tédio. Poesia para vocês:

Breve ruminar de um mamífero bípede sonolento

Rumino tédio,
que, em verdade, são tédios - os de cada um dos dias.

Em verdade, todos os tédios, estes soldadinhos apáticos banhados em inexpressão,
formam apenas um grande, monolítico tédio.

Sonno lento,
quero dormir.

Há outro elemento a ser introduzido neste poema sem graça,
sem taxa, sem graxa:

Antes a incapacidade alheia costumava causar-me revolta.
Hoje, apenas me torna sonolento.

Rumino todos os tédios, que são apenas um.

Beijos e abraços, pessoal!

NO VIDEOCASSETE: MANIC STREET PREACHERS - 1985.
Timsah.com
İzleyin:

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O povo

O que é o "povo"? Qual é a cara do "povo"? Quantos povos há dentro do "povo"?

Dentro daquilo que pode ser, para uma elite intelectualizada, o "povo", ou que imagino ser o "povo" para essa elite, tive um breve momento de comunhão com estas pessoas sempre retratadas como o "povo que ri e que se diverte em seus momentos livres".

Não, não pertenço a uma elite, sou um que vem do "povo" (mas qual?). Apenas não costumo participar da "coisa popular". Apenas transito entre lugares e lugares. Desconfiem de mim, pois pode haver aqui um discurso preconceituoso ou inocente (temo esbarrar na hipocrisia). Porém, embora haja esta introdução, o que quero mostrar aqui é a rara comunhão. Celebro-a com este poema:


O povo

Era um bar agitado
num fim de semana
depois do trabalho
de sábado.
Parei.

Era um bar popular
e estava lotado.
Nas caixas, alto, um samba
quando eu tinha
a fome de sábado.

Havia um povo
feio, suado, malandro,
cansado da vida
e querendo brincar.

Por isso,
eram lindos
enquanto esperava
meu prato popular.

Uma cerveja à mesa.
Depois do calor
do sábado, chovia.
Também por isso parara.

Chega o prato.
De costas ao todo,
saciava a fome
enquanto saciavam-se
de sábado.

Uma mulher dançava.
O samba no pé
não era meu espetáculo,
mas aplaudi.
Porque era um povo cansado
de sábado
calorento-depois-chuvoso
no oeste da cidade,
quando voltava pra casa.
Era um povo
tão feio e suado quanto lindo
e me encantava.

Eu já partia
quando a mulher que dançava
pediu um cigarro.
Cedi, não havia importância.
Conversamos,
eu e esta mulher do povo,
que havia me notado, disse,
desde que eu chegara.
Fumamos juntos,
à saída do bar,
eu e o povo,
falando de coisas comuns
e já não chovia mais.

Então parti.
Fui pra casa
contente
porque era parte do povo
na frente daquele bar.

Sim, eu sou o povo
também.

Dividimos o momento
de um modo
tão surpreendente
quanto imcompreensível
pra quem não é
o povo.

E eu, que não era o povo,
que cheguei ninguém,
gostei de estar.

Beijos e abraços, povo!

NO VIDEOCASSETE

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Duas imagens

que dizem muito. Apenas uma delas necessita contextualização.

Foto: Lula Marques/Folhapress.

Em 1992, Lindberg Farias era o líder da UNE (União Nacional dos Estudantes) e levou a juventude tupiniquim, por meio do movimento dos Caras-Pintadas, a exigir o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Quase 19 anos depois, o ex-líder estudantil, pelo PT do Rio de Janeiro, e o ex-presidente da República, pelo PTB de Alagoas, encontram-se no Senado e cumprimentam-se efusivamente. Suponho que se entenderão muito bem. Collor já se prontificou a ensinar a Farias os macetes do cargo. Isso vai ser bonito, não? Ah!, as voltas que a vida dá! Tudo sob o signo da democracia...

Foto: AFP.

No que diz respeito à segunda imagem... preciso dizer alguma coisa?

Beijos e abraços, pessoal!

NO VIDEOCASSETE

sábado, 15 de janeiro de 2011

No ar: Boulevard do Cine, novo blog sobre cinema

Culpa deste que posta a vós e do camarada Hudson Nogueira. Em breve, outros valorosos amigos virão a colaborar.


O endereço da nova casa está aqui.

Serão bem-vindos, pessoal!

NO VIDEOCASSETE

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Horóscopo


Estava no horóscopo que eu inventei: Será um tempo de vontades e realização. De lembrar-se de si, mas também de esquecimentos. A partir disso, prepare-se para o não imaginado.

O não imaginado ou não planejado é melhor.

Beijos e abraços, pessoal!

NO VIDEOCASSETE

John Lennon - Mind Games
Enviado por bebepanda. - Clipes, entrevista dos artistas, shows e muito mais.