domingo, 30 de março de 2008

O nada de alguém

Hoje, uma poesia daquelas que se encaixam na "categoria do nada":

O Nada de Alguém

não, não conhecia solução
despir-se da ilusão, quem sabe?...

não, era certo: um passo que se impõe!


pés descalços, o chão frio

nada no caminho. nada em toda a casa
nem a roupa. nem mais as paredes
janelas, portas, não mais...

nudez perante o mundo
nem o mundo


quanto vazio cabe nesta caixa?

E este nada é o tudo. Beijos e abraços, pessoal!

NA MINHA VITROLA: BRUCE SPRINGSTEEN - You'll Be Comin' Down > DAVID BOWIE - Warsawa > ELLIOTT SMITH - Easy Way Out.

sexta-feira, 28 de março de 2008

O sabor das coisas que começam a acontecer

El Cafofo. Eu já falei sobre, aqui no blog. É neste lugar que as coisas já vão acontecendo. Amanhã tem isso:

Aguardem: em breve, coisas envolvendo o moço aqui e o grupo Prophanos. Muito em breve...

Beijos e abraços!

NA MINHA VITROLA: ZBIGNIEW PREISNER - Dawn > JENS LEKMAN - If You Ever Need a Stranger (To Sing at Your Wedding) > NICK CAVE & THE BAD SEEDS - Jesus of the Moon.

terça-feira, 25 de março de 2008

Rômulo, Remo, Fellini, Magnani e outras gentes

E já era fim de filme, penúltima cena. O narrador nos fala de uma senhora que passa rente ao muro de velhos palácios.

É Anna Magnani. Ela que já fora Mamma Roma na película de Pasolini - um dia talvez fale mais dele. O post, hoje, é de Federico, o Fellini. Ou, melhor dizendo, da Roma que ele viu, talvez absorvendo ludicamente um tanto a obra do colega de atividades - a conferir!

Menos divagações que atrapalham o texto e vamos ao fato. Ou à quimera felliniana que é a cena. O narrador, que é o próprio diretor, questiona se Anna poderia ser a encarnação da cidade: uma vestal, loba, aristocrata, vagabunda. A Magnani manda Federico às picas e bate-lhe a porta na cara.

Ali, naquele instante, naquela Roma, havia os professores sem didática. Os hippies com seu amor livre. Os puteiros de alta e baixa classe. Os cabarés da época da guerra com suas atrações absurdas lotados de pederastas e agitadores. Um povo que se cagava pra tudo e apenas tentava existir.

Também havia o caos das vias, durante a tempestade, enquanto a equipe filmava - e lá estava o diretor dando suas ordens, questionando, fazendo existir a sua Loba particular e essencial. A passeata de motoqueiros como moscas pela cidade e no cenário clássico de A Doce Vida, a Fontana de Trevi. E um absurdo e surreal desfile de "moda eclesiástica" - sarcástica crítica.

Fellini colocou seus olhos sobre a absoluta Loba que recebeu tantos Rômulos e Remos, de tantas partes do mundo. Roma teve Gore Vidal também, a dar seu depoimento de americano que então ali vivia.

Mas aquela cidade estava morrendo, ou tentando existir apesar de lhe faltar fôlego já há 36 anos. A película data de 1972, levemos em conta. Roma cedia à modernidade. As escavações do Metrô revelam obras do período glorioso do império que, ao contato com o ar de nossos tempos, rapidamente se deterioram.

E, como se não bastasse, Anna Magnani morreu no ano seguinte. A batida de porta foi sua última cena.

Perdido o passado, que resta para o presente e o futuro? Se não sobra muito da sede imperial de dois mil anos atrás, o que sobrou da Roma de Fellini, uma vez que os tempos avançam e já não há mais hippies, os velhos cabarés e puteiros não guardam o mesmo espírito?

Não sei. Ao menos, há o exercício deste mestre, um exercício documental delirante, quase sério, um tanto crítico e de certa forma saudosista, mas também um tanto lascivo e moleque, enfim... um exercício tão Fellini.

Tento guardá-lo em minhas pupilas de forma a não esquecer tão cedo - a despeito da péssima qualidade de imagem e de legendagem da cópia que tenho em mãos - tais cenas que me levam a uma série final de questionamentos deste mal-começado e mal-acabado texto:

Que sobra da cultura, esta herança adquirida de qualquer lugar onde haja gente, seja Roma, São Paulo, Joanesburgo ou Bagdá?

E como aqueles que nos sucederão vão lidar com os temas nossos, que serão um dia apenas arquivos acessáveis em qualquer maquininha sobre a história antiga em que seremos nós os personagens mais ou menos desimportantes?

Beijos e abraços com gosto de interrogação, seja qual for o gosto de uma interrogação!

NA MINHA VITROLA: ZBIGNIEW PREISNER - The Souls of the Earth > Nostalgia > Paysage Absolu > Alexandra Has Left > Matia Palatia.

terça-feira, 18 de março de 2008

O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford

Uma experiência da qual é impossível o espectador não sair de queixo caído. Esta é a melhor definição sobre O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford.

Sim, como disse um camarada, é um filme que ficou obscurecido pelo lançamento de outros que acabaram oscarizados. Concordo com ele, também, quando afirma haver um tripé ou, se preferirem, uma trilogia (embora falte-me ver Sangue Negro, mas sei o suficiente do enredo) com base na origem do que chamo de "o pesadelo americano".

O Assassinato...
, vejo eu, é análogo à história do Cristo. Jesse (Brad Pitt) é uma figura messiânica, admirada pelo povaréu que multiplica fatos e atos impensadamente. Neste contexto surge Robert Ford (Casey Affleck), desde a infância admirador do lendário bandido. Abobalhado e escorraçado por todos, assim ele se encontra com James, que tem como braço-direito o irmão Ford mais velho, Charley (Sam Rockwell).

Bob vai descobrir: da admiração à decepção por não ser levado a sério é um passo curto. Depois, a inveja, o medo. Um acordo com autoridades, uma traição covarde, mas esperada. Afinal, Jesse parecia, do alto de seus 34 anos, cansado de si. Um Cristo que se deixa crucificar e até presenteia seu Judas com uma arma. Alcançar, tornar-se o ídolo sobrepujando-o - eis o que há. Como o filho que mata o pai para enfim crescer.

O quadro está empoeirado... antes, a pequena filha de Jesse perde um dos sapatos. Mal sinal - há mais para ser perdido.

Os irmãos Ford tornam-se atores. Representam o ato tantas e tantas vezes... Bob está embriagado pela aparente glória - sempre foi um tolo. Após o "grande feito" nada muda. Charley é quem sente o peso e assume o papel do Judas - a consequência última.

Bob demora a perceber, mas não há aplausos. Há o ódio. E isso ele vai conhecer bem, como sua verdade derradeira.

Acrescentemos a tudo isto uma fotografia sombria e quase onírica, uma narração com ares da grande literatura e uma trilha impecável assinada por Nick Cave (que faz uma pontinha) e Warren Ellis.

Por tudo isto e por mais que possa ter escapado à análise, é um grande filme. Dos que vi, o melhor produzido na terra do sonho que se revela pesadelo, em anos.

Bom, hoje é isto. Beijos e abraços, pessoal!

NA MINHA VITROLA: TOM WAITS - Long Way Home > OS MUTANTES - Tecnicolor > ONE FOR JUDE - Sweetness.

sábado, 15 de março de 2008

Ontem

Porque foi o dia. Houve ausência. Todo dia. Mas ontem, sobretudo. Ou sobrava no ar. A poesia. É, ela mesma.

Ontem eu não soube. Saibam disso:


Ontem

Ontem esquecida a poesia
num canto da cama
na mesa do bar
na garrafa vazia
fiquei devendo
estava vadio
sem palavra nem cor

Ontem o mundo cabia
na breve palavra
num tempo passado
no riso pequeno
era o filho
andava perdido
na chuva e no sol

Ontem a rima escondida
não veio à luz
não foi ao cinema
dormia tranquila
ao som do silêncio
sonhava algazarras
de gatos e ratos

Ontem a sola não-gasta
o chinelo de dedo
o segredo guardado
a pele intocada
e já era outro
o que dizia
a palavra de amor

Ontem
a poesia não veio
resolveu ficar só.

Beijos e abraços, pessoal! E, claro, estejam prontos para mais!

NA MINHA VITROLA: L'ORCHESTRA DI PIAZZA VITTORIO - Sahara Blues > THE OWLS - Peaceful Place > ZBIGNIEW PREISNER - To Love.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Da fé

Era para um concurso. Perdi a data. Mas vamos lá, de diálogos quase inverossímeis e sensações que não se explicam. Este é o mais absurdo dos contos:

Da Fé

- Ah, já vi este filme!
- Como assim?

- As pessoas amam demais, o tempo todo. Agora vem você e me diz a mesma coisa.

- Mas é verdade... e eu não condeno as outras pessoas.

- Queria ser um pouco menos amável...

- Mas, Linda, isso é impossível.

- E se eu desse um soco, uma boa porrada no seu estômago agora?

- Seria um esforço inútil. Em todo caso, você não tá viajando um pouco agora?

- Talvez.

E os dois se calam, em seus bancos no ônibus que segue o caminho para o litoral. Linda recosta a cabeça no peito de Jorge e está pensativa. Muitos a amaram, pensa, e todos a machucaram. Não tem a ver com a mão direita do rapaz acariciando-lhe as madeixas douradas pelo reflexo do sol que entra pela janela sempre que há oportunidade. Ela se sente cansada. E sente que cansa quem a ama.

- Todos vão embora..., ela murmura.

- Hein?

- Não, nada.

Tristeza no peito de Jorge, que pela primeira vez sentia que amava. Acreditava mesmo que não era simples desejo de posse, o que também era, mas não só isso. Porque ela não compreende? Amar é a coisa mais simples, mas fazem disto um drama.

Antes, no outro dia, no mp3, aquela música. Tudo é como uma onda. Vem com força, que pode ser maior ou menor. E desvanece. Mas não é isso que vai acontecer, pensou ele, preparando as malas enquanto a música era. Não desta vez. Não queria desacreditar e Linda veio justamente salvar-lhe da descrença. Era tão cheia de espírito e estaria ali com ele, por ele. Sim, é isso... não é?

Se havia defeitos naquela relação, eram o querer demais de um e o descrer demais daquela. Ou o pensar demais, de ambos.

Insegurança oprime. O excesso, então...

Em todo caso, deixava-se levar, esta moça que recebe as carícias. Até onde e quando, não sabia. Era sempre assim. Deixava-se levar pela avó à igreja, sem crer de verdade naquela figura pendurada numa cruz. Era menina, não sabia. Mas logo soube. Seria diferente agora? Queria fazer-se mais simples, mas não conseguia. Bom, era uma tentativa, não?

O verde da mata ao redor da estrada e o azul claro do céu, tudo tão lindo, se impõem. Mas todo esse lindo, depois da primeira hora, cansa. O cochilo é inevitável. É no tédio que tem lugar o diálogo que abre essa curta exposição de momentos e sensações que é este conto. Adormecem e a mão do moço cai lentamente dos cabelos da jovem, até que alcança suavemente o assento. Mas seu braço ainda a envolve.

Linda desperta quando apenas começam a surgir os primeiros sinais de litoral. Entusiasma. Acorda Jorge.

- Estamos chegaaaaaaaaando!

- Vão ser bons esses dias com você, Linda! Sorriem. É hora de abandonar o casal enquanto um beijo tem seu lugar. Pensar menos e sorrir mais. É o que querem e sabem que precisam. Até quando e onde não importará, ao menos nestes dias.

Sim, eu preciso que vocês acreditem. Beijos e abraços!

NA MINHA VITROLA: THE FLAMING LIPS - Race for the Prize > OS MUTANTES - I Feel a Little Spaced Out > ELLIOTT SMITH - Let's Get Lost > GRAND ARCHIVES - Breezy no Breezy > BRITISH SEA POWER - It Ended on an Oily Stage.

Como num sonho

Muita queda. Levanta e respira e corre de novo. Esperando a mensagem do pombo-correio eletrônico que nunca chega. Desistiram? Não sei.

Preparando loucuras. Porque este é o ano. Pra estourar. Antes quase estouro comigo mesmo.

E estouro com as pessoas, logo de manhã, porque é sempre um choque acordar do sonho. Ainda sem lembrar.

Raios, eu nunca lembro de ligar praquela amiga. Bora cuidar do leiaute. Não, já não tenho a mesma disposição.

Então paga por isso, porra!

Na tv, aos domingos, o técnico do meu time sempre abusa dos palavrões. Ao mesmo tempo que condenam, eles vão atrás. Instruções sujas, sabe como é?

E esta forma de enfiar meu mundo no mundo... de propor um acordo: Tá, eu deixo vocês entrem pelo ouvido e pelos olhos, senhores... vocês que são tantos... Céline, Coen, Cronenberg, Boccaccio... Mas eu também quero um pouco de atenção dos seus. É justo. Porque não é à toa.

Aquele amigo com projetos, dos bons, não o deixam mais trabalhar. Querem-no morto e querem o morto em seu lugar. Não dê um passo atrás, Marcelo. Viva a deseducação! O exército de imbecis está vindo!

Tem de engolir o orgulho entre tantos goles de cerveja e umas melodias de samba velho.

Outro entra em crise por causa dos 30. Não, não, Marco. É agora que a vida começa.

Sinto falta de todos. Ainda vou na rave com a Érika e o povo todo. Não será desta vez. Ainda.

Apareço e desapareço. O fantasma.

Mas este é o ano das grandes coisas. E, num momento, preciso olhar para mim, antes de olhar para os outros.

No outro, já estou ali.

Cadê o motoboy que não traz meus dvds logo? Tantos primeiros ou segundos passos para dar...

Como será aos 66? Devia perguntar pra velhinha, ela alcança isto hoje. Mas ela não deixa e eu digo "Não, mãe. Deixa esse amargo e essa expectativa em mim de lado, que sou o único que lhe sobrou. Deixa a Flora trazer o bolo e deixa ser o que pode ser."

A vocês todos, beijos e abraços!

NA MINHA VITROLA: CAETANO VELOSO - O Estrangeiro.

terça-feira, 11 de março de 2008

Ficção e realidade

Marcas da Violência, filme de 2005 de David Cronenberg, o primeiro de uma trilogia sobre a violência. Acabo de ver.

Raro caso de uma tradução do título do filme ser melhor do que o título original (A History of Violence), pois vê-se as marcas dos fatos nos rostos das personagens.

Interesses de máfia, identidade falsa numa vida falsa em que se busca um pouco de paz, mas nada mais do que a revelação de que há algo de podre no sonho americano.

As crianças estão fora, então ela se veste de cheerleader e eles transam. Amor suave. Crise. Uma transa selvagem na escada. O homem é o mesmo? É o mesmo casal?

Violência gera violência, Joey Cusack decidiu morrer e então foi nascendo Tom Stall. E este fez família. A base da família é uma mentira - tudo que é preciso fazer é retornar e fazer daquilo uma verdade.

Mas a violência está lá. E deixa suas marcas. Na escola, o filho tem de lidar com uns espíritos de porcos. O mafioso, que sente cheiro de porco, morto pelo filho de St... de quem mesmo? Nem o filho é o mesmo, afinal. Claro, há o embate definitivo entre Joey e Ritchie, irmãos. Como Caim e Abel. Quem será o Caim, então?

Em algum momento, a esposa diz "isto não está acontecendo". Boa notícia: é ficção. Má questão: o quanto dessa ficção já não está impregnada em nossas realidades? O quanto de neurose e o quanto de real está em nossas preocupações? Porque uns anos atrás estouraram os miolos de um vizinho que andava torto há alguns anos. Pertinho, muito perto. Ainda ontem minha mãe me chamava com um pouco de histeria para ver o discurso de um policial com ares de "linha dura" que alertava os telespectadores de um programa feminino sobre toda sorte de fraudes.

Mas não, eu não quero entrar nessa neura. Não quero ficar pensando todo o tempo nisso tudo e jogar minha energia fora desta forma.

No entanto, a realidade incomoda. E o filme, longe de ser uma obra-prima, incomoda. Como moscas na janela.

Definitivamente, não sei se gosto. Mas quero ver mais de Cronenberg. E quero que a vida esteja distante deste tipo de ficção.

Beijos e abraços, pessoal!

NA MINHA VITROLA: DEPECHE MODE - Policy of Truth.

quinta-feira, 6 de março de 2008

O conto do pioneiro

A seca de março fecha o verão, que não é fechado porque o calor prossegue. Apenas a data virá e determinará: outono. Antes disso, abro o março deste espaço com um conto, outro. Vamos lá:


O Conto do Pioneiro

Difícil crer.

Então eu folheava o álbum de fotografias. Folhas amarelas e registros de um tempo que já não existe, agora menos ainda, quando o passado começa a se desmaterializar de forma que não se pode controlar. O máximo que se pode tentar é compreender. A vida é assim.


A velha turma, nas fotos, ainda fazia algazarra, mas era só ali. Detenho-me no semblante daquele amigo. Saudade. É o que mais acontece. Entre tantos, havia este, o que era o mais admirável.


O que unia todos, meio sem se dar conta, na hora do intervalo, para o futebol com tampinha de garrafa. Depois, eram as bolas de meia e, finalmente, aquelas bolas de bazar. A evolução final veio quando cabulávamos aula na 8ª Série, para jogar com os moleques mais velhos no campinho que fica no caminho da escola para a casa. Bola de capotão. Tudo temperado pelo suor, os hurras de alegria e os palavrões de frustração. Às vezes, uma briga. Sempre passava.

O que negociava melhor os prazos dos trabalhos com os professores. Às vezes ele conseguia, muito mais que qualquer outro. O papo rolava fácil com qualquer um, até com os bandidinhos da rua debaixo. Nossas mães, horrorizadas, pediam para evitarmos.


O culpado da primeira tosse por causa do primeiro cigarro. A primeira brisa também. Éramos bons garotos, mas o proibido nos atraía. E quando não foi assim, com qualquer um, até os bons garotos?

O que ganhava as meninas e nos dava dicas meio furadas, mas que às vezes funcionavam. Uma vez fiquei puto: a única briga dos amigos. Gabi era a razão. Tão bonita, com seus cabelos que ela insistia manter em trança. E um corpo se formava debaixo do uniforme de escola. Eu captei. Ele também - e era mais esperto. Merda, eu vi quando foi. Justamente eu tinha que ver. Mas Gabi passou também.

O que primeiro comprou um instrumento. Depois formamos uma banda. Foi legal enquanto quisemos que fosse assim. Certo era que éramos ruins demais, tanto quanto a maioria das bandas de adolescentes que se formou na nossa cidade. Um bom pretexto pra outras meninas chegarem perto. Daí Gabi passou mesmo. Da música, só ficou o violão de Zeca, que continuou. Virou profisional e toca nos barzinhos da cidade até hoje. Eu mesmo já o vi duas vezes. Aprendeu, o danado!

A despeito do fracasso com música, Nelsinho era o mais feliz, o mais entusiasmado, em suma. Desse jeito, quase sem querer e sem imposição. Aceitávamos e era assim, até que o tempo... bom, há o tempo que engole tudo. As algazarras já não são as mesmas e cada um tem seu próprio caminho a trilhar, não é?


Natural e incontrolável, foi o primeiro a ir embora. Outra arte era o que ele tinha, pintava bem. Lembro quando uma dona falou que ele tinha talento, que podia tentar a sorte noutra terra. E, diabos, ele foi. Outra terra, uma bota.


Todos queriam correr mundo, fiquei triste porque partia um amigo, um irmão de alma. Mas feliz porque ele iria conseguir o que queria, não havia dúvida quanto a isso. Pouco soube depois, mas supunha que deu certo por lá. Afinal, esqueceu. Nós por aqui, também, quase, mas nunca de verdade. Estranho é que eu, que era amigo pra valer, de frequentar casa, parei de ir lá. O que nos leva a não saber o que se passa quando um amigo está longe, em algumas ocasiões, é um mistério que não consigo definir.

Uma vez, o Jota, irmão dele, quem disse, tinha se casado, tinha uma filha. E nós, os outros, ainda tratando da diversão, um pouco, sozinhos ou acompanhados pelas moçoilas provisórias - uma ou outra, a definitiva. Ao mesmo tempo, tínhamos de decidir o que fazer da vida. Escolher profissão, essas coisas. Nunca fui visitá-lo. Nem os amigos com que ainda tenho contato o fizeram, exceto o Paulo.


Professores se aposentaram; dois deles, um era bem velhinho naqueles tempos, já não existem mais. O campinho está no mesmo lugar, mas eu já não vou à escola, a não ser nos dias de reunião de pais (sim, eu também) - mas é outra escola, que cabeça a minha! E, claro, mudei de bairro e de cidade. Ah, a capital...

Perdemo-nos, quase todos. Vez por outra eu volto pra ver os velhos e, lógico, os amigos velhos também. É por eles que sei do pessoal da turma antiga. Quase duas décadas passadas, ninguém sabia novidades de nosso líder e pioneiro em tantas aventuras, tantos feitos. Mas uma notícia, nesta visita de agora. _ _ _ _

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Perplexidade.

Agora está muito mais longe e inacessível que todos nós. Definitivamente. Acidente de trânsito, disseram. Paulo, o mais próximo da família, contou. Segredo, segredo. Atirara-se na frente de um carro, em Gênova, o Nelsinho.

E, assim, foi o primeiro de todos, mais uma vez, pela última vez. Pensei no que podia ter dado errado, o que levara o outrora camarada tão positivo a tal resolução, que desespero se apoderara.

Nenhuma saída, não para ele. Não para mim. Amizade que não se resgata. E quem sabe não teria sido da mesma forma? Nada que eu pudesse fazer, nunca mais, cacete!

Apenas folhear álbuns repletos de fotos amareladas.

Fim de história pra esse post, hoje, pessoal. Em breve, claro, volto com mais. Beijos e abraços!

NA MINHA VITROLA: ELLIOTT SMITH - Miss Misery > Everybody Cares, Everybody Understands > DEPECHE MODE - Barrel of a Gun > CHICO BUARQUE - O Filho que Eu Quero Ter > ELVIS COSTELLO - Alison.