quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Em 2008, eu pirei com... (4)

Ontem, a partir de um certo ponto da noite, eu era um ser cheio de despeito. É raro eu admitir isso, porque é raro que eu me sinta assim. Ou o primeiro período é honesto e o segundo não é. O fato é que eu naveguei pela internet, conversei com amigos. Todos tinham um plano. Eu não. Também, me fazem falta os recursos, nesse momento.

Ok, é choro de barriga cheia. Eu fiz tanto neste ano, diverti-me pacas (parte da ilusão ou só diversão mesmo?). Talvez tenha sido um dos anos mais divertidos. Então porque eu mantenho o gosto amargo na boca? Vício? Ah... eu tenho vários. E eu fiquei tão vagabundo que nem fui capaz de escrever uma série de contos sobre vícios. Eu vinha planejando algo assim. Vamos ver. Se fluir, acontece no ano que vem. Não é uma promessa.

Não que eu deva deixar a diversão no ano que termina daqui a algumas horas. Mas tenho de fazer coisas. E quero garantir que o final de 2009 seja um final realmente feliz. Não que este não possa ser, mas estou reavaliando tantas coisas...

Ok, por um instante, é hora de parar de reavaliar as tais coisas e dizer o que me deixou pirado nas salas de cinema e no aparelho de DVD.

Eu pirei com...
Cinema

Foi um ano de muitas aquisições e descobertas. De Ozu a Cronenberg (este, uma redescoberta); Rohmer foi um grande achado e tive maior contato com o cinema de Godard e Truffaut. Nunca vi tanta coisa da nouvelle vague como neste ano. Re-encontrei Chabrol, diretor admirado por anos, mas que vinha esquecendo. E falta muito pra ver. Só comecei a cavar nesse sítio.

Ajudou muito o fato de estar na equipe do Depois Daquele Filme. Graças ao DDF, pude fazer um levantamento razoável da história do cinema japonês, por exemplo. Herzog foi elevado, por mim e pra mim, ao status de "deus do cinema". Estou descobrindo, nesses últimos dias, o cinema de Manoel de Oliveira, diretor que neste mês completou 100 anos de idade. O mais velho diretor em atividade. Mesmo. Há pelo menos dois projetos previstos para o ano que vem - um deles é Singularidades de uma Rapariga Loira, baseado em conto de Eça de Quierós - e não parece que ele está disposto a parar.

Entre os lançamentos deste ano, destaco quatro:

Batman, o Cavaleiro das Trevas -
Christopher Nolan - EUA

É uma grande aventura em que a figura do homem-morcego cede espaço para o caótico Coringa e o dualismo de Harvey Dent/Duas Caras. Tanto que eu costumo dizer pros meus amigos que este foi um filme do Coringa, não do Batman. Achei que houve um equilíbrio interessante entre ação e reflexão. Uma surpresa muito boa, apesar de eu ser admirador do cinema de Christopher Nolan desde antes de ele pensar em estar ligado ao universo "super".

Do Outro Lado - Fatih Akin - Alemanha/Turquia
O mais engraçado sobre esse filme é que eu tinha visto na Mostra daqui de Sampa em 2007. E não havia me empolgado muito. Bom, um dia em que eu quis ir ao cinema e não tinha gostado das opções, eu resolvi revê-lo. E descobri a grandeza do filme. Desencontros, diferenças culturais, questões políticas de imigração - num momento, um caixão vindo da Alemanha desembarca no aeroporto de Istambul; noutro, um segundo caixão é embarcado no mesmo aeroporto e o destino é a Alemanha. Grandes buscas, grandes destinos.

O Silêncio de Lorna - Jean-Pierre & Luc Dardenne - Bélgica/Inglaterra/França/Itália/Alemanha
Um drama sobre imigração. O desejo de estar num status mais alto e a necessidade de usar um ser humano, tirar vantagem de seu vício e deixá-lo morrer. Mas o que acontece quando não se pode lidar com isso e a única coisa a fazer é romper o silêncio?





Uma Garota Dividida em Dois - Claude Chabrol - França/Alemanha
Moça do tempo de uma TV francesa se envolve com um escritor famoso. Ao mesmo tempo, um típico almofadinha a corteja e realmente se mostra apaixonado, obsessivo. Ela faz de tudo - a ponto de se humilhar - pra agradar ao amante escritor, mas casa-se com o outro. A resolução do caso não é a mais feliz para os personagens. A história é clichê puro, mas só por ser conduzida por um Chabrol, resulta num filme quase perfeito. Uma ressalva para o final, que não me agradou.

Fico devendo algo de cinema nacional. Mas tenho engatilhado, pra ver, Estômago, Mutum e mais algumas coisas. Marquei bobeira: deveria ter visto Linha de Passe. Entre Lençóis parece uma cópia descarada do chileno Na Cama. Ainda Orangotangos é um filme interessante, a despeito da sua irregularidade. Ensaio sobre a Cegueira eu gostei de cara, apenas para depois me deparar, graças a comentários de amigos, com a questão estética: o "rímel para a miséria" de Meirelles me incomoda.

Ano que vem eu volto com o que falta: a Música!

Façam de 2009 um ano melhor! Se este ano já foi bom pra vocês, que o próximo seja melhor ainda! Beijos e abraços!

NA MINHA VITROLA: ANTONY & THE JOHNSONS - You Are My Sister.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Em 2008, eu pirei com... (3)

Retorno. Depois de mais um desentendimento familiar, desta vez por algo significativo. Há coisas que nos magoam mais que nos deveriam. Eu queria ser forte e passar por cima disto. Sinto-me muito sozinho pra lutar e às vezes simplesmente sou derrotado dentro da minha própria casa.

Quero reunir força e mudar essa situação. Meu futuro, mesmo meu presente, dependem disto. Não quero mais ser o cara que, vez por outra, fica sombrio e cabisbaixo quando todos ao redor estão felizes. Acredito que neste ano até consegui, em alguns momentos, ser algo diferente disso. Quero conseguir mais. Quero conseguir mais.

Eu não tenho que dar o poder de as pessoas me machucarem. Não tenho que dar o poder a essa pessoa que me machuca desde sempre. E é uma pessoa que eu amo. Mas, mais que tudo, tenho que valorizar a mim mesmo e tentar lidar com as carências dessa pessoa, que não posso simplesmente deixar.

Ok, aposto que vocês estão adorando estas reflexões, mas estão mais interessados mesmo no que me fez pirar no ano quase passado. Pois vamos lá:

Eu pirei com...
Literatura

Foi um ano de poucas leituras, assim como tem sido de 2004 pra cá. São poucas, mas boas.

Valem citar Viagem ao Fim da Noite, do francês Louis-Ferdinand Céline, uma viagem sombria à "noite da alma humana". Texto pesado, mas daqueles que você quer ir até o fim. Céline foi, de certa forma, um "antiProust", estilisticamente falando. E também ficou famoso por ser antissemita, o que o levou a uma condição deplorável. Os sinais de antissemitismo não são evidentes neste livro, que foi o primeiro dele, mas apareceram em alguns manifestos e ele realmente pagou caro. Nada a ver com o talento demonstrado em suas obras. A questão é desvincular o homem da obra, o que muito se discute. O mesmo se dá quando se fala de Leni Riefenstahl, que foi a propagandista oficial do regime nazista, mas que também trouxe avanços consideráveis à técnica de documentários. Ou de Günter Grass, prêmio Nobel de Literatura, porta-voz da consciência alemã no pós-guerra, que recentemente admitiu ter se envolvido com o nazismo durante a juventude.

Mas deixemos esse clima europeu de guerra e falemos de intelectuais latino-americanos radicados na França. Porque esse é o mote de O Jogo da Amarelinha (Rayuela), de Julio Cortazar, um dos meus escritores prediletos. Há todo um clima jazzy nos encontros do Club de las Serpientes. Entre os amigos, encontros e desencontros, milhares de citações e a gente fica meio perdido às vezes, mas o mais interessante é ir absorvendo isso tudo e aprender. Graças a uma escrita "labiríntica", há várias ordens diferentes de ler o livro. É uma leitura em andamento, mas que se faz muito interessante.

Por último, uma viagem a Machu Picchu em forma de livro. Uma edição caprichada da Sudamericana com fotos belíssimas, de Barry Brukoff, com poesia de Pablo Neruda e uma introdução digna do livro, de Isabel Allende. Deixo aqui o link para que vocês saibam mais no site da Amazon, onde há uns recursos interessantes de visualização.

Bom, isso é tudo por hoje. Beijos e abraços, pessoal!

NA MINHA VITROLA: CHARLY GARCÍA - Bancate Ese Defecto.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Em 2008, eu pirei com... (2)

Aqui estou, entre maços de cigarros que se acabam, festas, reaproximações, desentendimentos familiares por nada, filmes, seriados e músicas. Aqui estou pra dizer mais a vocês sobre o ano que se esgota. Pra dizer pra vocês que em 2008...

Eu pirei com...
Teatro

Ao entrar na sala, um estranhamento. Então todos vamos assistir à peça sentados em pufes espalhados no palco? Não, não era a primeira vez que vivenciava uma relação pouco tradicional de interação plateia/espetáculo, mas eu não estava tão disposto. Ok, estávamos lá e, diabos, foi excepcional.

Um Dia de Ulysses, do grupo Teatro de Narradores, era a peça. Dividida em dois módulos - Cabaré Paulista: do Manifesto contra o Trabalho, em que a relação entre trabalho e individualidade é avaliada de modo irreverente. Não sobra pedra sobre pedra. Notícias da Cidade é uma radiografia da vida no centro da cidade, onde surgem personagens diversos: um ex-presidiário que volta pra casa, uma costureira boliviana cativa de um comerciante coreano, um travesti que lê cartas de tarô, entre outros.

Ambos os módulos contam com intervenções de vídeo, como o depoimento de uma idosa moradora de rua. A rua... é onde tudo termina. Somos conduzidos para fora do teatro, apenas (eu disse apenas?) para ouvirmos um relato sobre a invasão e posterior retirada de pessoas "sem-teto" de um determinado prédio.

Ok, eu não vi tanta coisa em teatro assim, mas essa foi das experiências mais interessantes não apenas neste ano, mas nos últimos anos.

Bom, eu não devo demorar a voltar. Talvez à noite, talvez amanhã pela manhã. Há muito a ser dito. O cigarro acabou, então vou ali comprar mais.

Beijos e abraços!

NA MINHA VITROLA: BON IVER - The Wolves (Acts I & II) > Blindsided > Creature Fear > Team > For Emma.

Em 2008, eu pirei com... (1)

2008 foi... esquisito. Eu já falei algo sobre isso recentemente. Um ano de mentira. Hoje, reavaliando algumas situações, eu diria que também foi um ano de confusões.

Até o momento, não consigo avaliar exatamente o que se deu comigo em pelo menos duas ocasiões muito estranhas. Cabe trabalhar pra que 2009 não seja mais do mesmo e talvez eu procure ajuda especializada. Cabe trabalhar. Porque um cara como eu gosta de viver num nível razoável e quer manter esse nível. Porque um cara como eu precisa encontrar uma identidade e ser reconhecido a partir dela.

Sei. Sou um escritor e não tenho vergonha disto. Muito ao contrário. Se há algo que eu ame em mim, é justamente isso: a forma como eu sinto as coisas, os fatos da vida e como eu os transformo no papel. Isso por si só já é uma terapia. É um estilo de vida. Sim, eu tenho estilo.

Há o fato de conviver em sociedade. E isso remete a algumas necessidades. A sociedade cobra. E tenho de ser alguém pra ela. Mais pra mim do que pra ela, porque o reconhecimento por ser o responsável por algo bem feito é... inebriante. Então não nego meu orgulho e minha necessidade de que isso aconteça.

Tenho uma ideia de onde quero estar em 2009 e não vou medir esforços pra estar lá.

Seja como for, através do sofrimento fui capaz de crescer. Estou crescendo. Continuo, apesar de parecer parado. Mas continuarei num ritmo melhor no ano que vem.

Bom, mas mais que tudo, é hora de dizer o que me fez pirar em 2008 na coisa de artes. Então vamos lá.

Eu pirei com...
Exposições

Foi uma exposição supercompleta sobre os 50 anos da bossa nova, no Pavilhão da Bienal, no Ibirapuera. Havia de tudo um pouco: a história do gênero e de diversos nomes, fotos, figurinos, arquitetura da época, design, vídeos e, claro, muita música. Tudo o que eu poderia dizer não fará jus à sensação das horas que passei lá. Simplesmente fodido!

Claro, é totalmente irrelevante, mas... ainda levei um souvenir: uma caneca que uso direto. De estimação mesmo. Pensem em Alessandro sorrindo enquanto toma sua vitamina de banana com aveia, parte do seu ritual matutino.

Beijos e abraços, pessoal. Não demoro a aparecer. Talvez ainda hoje.

NA MINHA VITROLA:
THE ARCADE FIRE -
Windowsill.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

O último sarau do ano

Ei, ninguém vai querer perder isso, né? Eh eh eh!

Beijos e abraços, pessoal!

NA MINHA VITROLA: R.E.M. - Losing My Religion.

Sombra e sol

Breve poesia, amigos:

Joseph Cotten em A Sombra de uma Dúvida, de Alfred Hitchcock (1943).

Sombra e Sol
entre o sol e a sombra,
muitas dúvidas

e

uma certeza:

o que fazer
para
prosseguir.

Beijos e abraços, pessoal! Nesses dias ainda volto com mais.

NA MINHA VITROLA: FITO PÁEZ - Acerca del Niño Proletário.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

2008, o ano da mentira

Sea of Lies, de Ronald Kurniawan (EUA).

Ufa... o ano vai chegando ao fim. Umas poucas pessoas sabem que eu escreveria um texto aqui sobre este ano e sabem que eu ia nomeá-lo como "o ano da ilusão". Foi mais que isso. Então remodelo minha definição:

2008 foi o ano da mentira.

Passei o tempo todo dizendo pra mim que tudo ia ficar bem e não fiz grandes coisas pra que isso se tornasse verdade.

Confiei e dei afeto a algumas pessoas, que me deram em troca punhaladas nas costas. Ou por simples mentira ou por falta de confiança e consideração.

Fiz de tudo pra parecer pra mim mesmo que "não, não é isso que está acontecendo". Quase fui feliz em manter-me longe da verdade, mas as evidências são muitas e o sangue que forma o meu rastro não me deixa iludir-me mais.

Por um acaso interessante, a minha sorte no Orkut hoje é "Agora é a hora de fazer novos amigos." Desde que eu não me escore neles como se fossem garantia de bem-estar. Devo garantir-me por mim mesmo ou continuarei a repetir os mesmos erros.

Posso fazer diferente. É algo como começar do zero. Rever mesmo os bons amigos, que eu tenho sorte de ainda serem uns tantos, de um jeito novo - o mesmo jeito a partir do qual devo enxergar quem aparecer. Mas, principalmente, tenho de me voltar a mim mesmo. Reconstruir-me a partir de certas prioridades. Tenho algum tempo até que as coisas voltem a acontecer.

Em outros tempos, eu maldiria os dias de festa, pelo vazio do significado de um desses dias, ao menos para mim. Mas creio que se faz a oportunidade de eu refletir, de fazer algo novo por mim. Melhor do que cultivar mágoa, revolta. Embora neste momento seja o que sinto.

Mas não vou fazer grandes promessas. Em 2007 eu me prometi muitas coisas para 2008 e não consegui cumprir mais da metade dos objetivos. Vou resumir tudo em uma promessa básica: vou fazer o que tiver de ser feito, do jeito simples. Nada de sofisticação, de sofismas! Deixo isso com outras pessoas.

No entanto, nem tudo em 2008 foi feito de mentiras. Embora com alguns percalços, o Depois Daquele Filme vai bem, obrigado. E tenho orgulho de ser parte deste projeto. De verdade, a melhor coisa que me aconteceu neste ano.

Queria ainda dizer muitas coisas, mas sinto que só choveria no molhado, se é que não o estou fazendo. Por isso, deixo meus beijos e abraços para os que são de beijos e abraços. O resto é resto... aliás... que resto? Que fiquem nesse ano de mentiras horrendas!

Em breve, ainda neste ano, as minhas listas de melhores de 2008. E serão de verdade!

NA MINHA VITROLA: MERCURY REV - Butterfly's Wings.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Memória

Tenho uma amiga que diz o que pensa. Nem todos fazem isso. Ela faz. Ela diz. Doa a quem doer. Eu gosto, embora já tenha doído. Uma dessas figuras que você encontra pela net e, de alguma forma, vai lhe manter cativo do seu carinho. E se você sabe que ela diz a verdade, sabe que o carinho é de verdade. E é recíproco. Ela tem um circo em forma de blog. Nós temos um projeto que não foi projetado, nasceu do nada e está indo, o Conversas Instantâneas. Essa é a segunda parte. A primeira está no blog dela.

Sem mais preâmbulos, vamos ler!

Conversas Instantâneas
Cátia Andressa da Silva e Alessandro de Paula

Parte II: Memória

- Penso que necessito da memória. Portanto, a busco. Preciso da memória para revisitar meus erros. Para ratificar meus acertos e, com tudo isso, erros e acertos, seguir na busca. Mas como, se o que busco é justamente a memória?

- Primeiramente não entendo porque tens a necessidade de revisitar erros e ratificar acertos. O que faz as coisas valerem a pena não é a busca pela memória. Também já somos uma nação sem memória. Na verdade, nem somos nação nem temos memória.

- Pois eu preciso.

- Me diga o motivo.

- Não sou a nação. Não tenho nada a ver com a nação. Tenho a ver com minha busca. E quero a memória. Quero me lembrar de tudo. Do amargo do fracasso, do picante da ira, do adocicado dos pequenos carinhos, do salgado das piadas entre amigos. Quero tudo. Não me construo sem memória.

- Ficamos muito presos à memória.

- Não me importo. Não quero ficar preso ao vácuo.

- Mas é a necessidade da memória para sua própria construção ou você tem medo de cair no esquecimento?

- Não tem medo das memórias das pessoas não alcançarem você? Como artista, isso seria bem duro, hein?

- São situações diferentes. Preciso da memória para construir-me e re-construir-me a cada dia.

- E, sim, também não quero ser esquecido. É preciso ser relevante ao menos a uma formiga.

- Tolice!

- Já conto com este não-alcance. Se conseguir ser relevante a uma formiga, já é muito.

- Já é lucro.

- Humanidade.

- Eu odeio essa palavra: relevante. Está todos os dias atolando a felicidade alheia.

- Entre todas as características positivas e negativas do ser humano, está a de importar-se com o outro. Nem que seja a de importar-se com o que o outro pensa de você.

- Aceito isso em mim com naturalidade.

- A palavra nem precisa ser dita. Apenas é preciso ser.

- Importar-se com o que o outro pensa de você?

- Não todo "outro".

- Eu prefiro me importar com o que eu penso dos outros, o que eu sinto pelos outros, se eu respeito os outros...

- Mas um "outro" ou "outros" específico(s).

- Bom, de qualquer forma, também penso neste aspecto que disseste.

- Mas o que te leva a rejeitar a memória?

- A sua, digamos, irrelevância. Hoje temos câmeras digitais, blogs, temos toda a memória eletrônica, digitalizada...

- Deixo meus pensamentos no vácuo, no não-pensar em coisa alguma...

- Bom, é uma ferramenta. Mas me importa como sinto isto. O significado que dou a isto.

- Hahaha

- E qual é esse significado?

- Se lhe explicasse sobre todas as coisas e significados, não veríamos o sol antes de 2015.

- Taí, eu gosto muito do Astro-Rei!

- Justamente porque gostas e eu gosto, convém não listar tudo.

- E vejo que gostas do vento, então... de ser levada pelo vento todo o tempo, como uma folha. É isto?

- Isto é uma provocação?

- Isto é uma provocação! E um questionamento. Ou a ti não lhe agradam os questionamentos, como não lhe agrada a memória?

- Gosto de ser levada pelo vento, com mais intuição do que razão. Porque necessitarei de direções pré-estabelecidas quando há uma tal teoria (não a conheço ainda, mas conhecerei um dia) que prova que o que está programado não é o que traz algum tipo de felicidade, de plenitude. E se, ao contato de tal teoria, descobrir que não precisas de nada? Nem memória nem direcionamento. Então provarei minha tese. Não é mesmo?

- Provará apenas que, neste momento, não sabemos, ambos, de muitas coisas.

- Você tem necessidade de saber de algo?

- É o mesmo que me perguntar se necessito da memória. Mas eu lhe digo: sim.

- Necessito saber.

- No entanto, não me desespero se não souber. Pois não é possível saber tudo. Humanidade. Limitação.

- E não morrerá se não souber nunca. Desencana!

- Preso ao meu tempo. Morrerei de qualquer forma. Mas enquanto viver, buscarei algo.

- Buscas...

- Não encano. É meu jeito de existir.

- Buscas... buscas... buscas... ah, que enfadonho ficar buscando o tempo inteiro.

- Tão natural quanto o rio que corre para o mar. Mas disse que busco todo o tempo?

- Tão natural quanto o rio que corre para o mar.

- Não, eu permito o esquecimento em certos momentos.

- Busca na memória, busca algo que nem sabe o que é!

- Isso é tão natural como a abelha que pousa na flor.

- Não buscas o tempo inteiro?

- Por isso busco.

- Você deixa de buscar o tempo inteiro? Só busco meus chinelos quando acordo no meio da noite pra fazer xixi. Mas não estamos falando de matéria não é mesmo?!

- Estamos falando de todas as coisas. Mas penso que te enganas.

- Estamos?

- Se estudas até aos fins de semanas, é porque algo tu buscas.

- Ui! Me pegou!

- Não é verdade?

- Não sou uma boa mentirosa!

- Um momento, minha querida mentirosa. Mais querida que menti-rosa.

E prossegue. Num dia desses, prossegue.

Beijos e abraços, pessoal!

NA MINHA VITROLA: THE WALKMEN - Louisiana > Emma, Get me a Lemon.