quinta-feira, 28 de abril de 2011

sábado, 23 de abril de 2011

A casca

Poema sobre um homem, duas épocas e locais distintos e um processo de despersonalização.


A Casca

há tempos para trás ficara
o acanhamento das ruas,
os espaços gramados
e os sorrisos da gente simples
do lugar onde nasceu.
memória em branco e preto guardada
como filme ou
sonho.

tudo se tornara concreto,
incluso o tempo,
que passa lento
na larga avenida engarrafada.
nos intervalos, fez parceria
e família:
às 7, levar as crianças;
às 8, trabalho
e toda rotina
cinzenta como a parede do edifício no qual costuma estar,
segunda a sexta,
para aquietar-se escondido.
Quase impossível adivinhá-lo a uma janela
fechada perto das nuvens.

na semana,
comprometia-se
com tarefas,
fez progresso material
e alguns poucos conhecidos
cumprimentavam-no quando passava
apressado
para almoçar em qualquer local.

finais de semana em centros de compras
para alegrar esposa; cinema e pipoca para as crianças.
finais de semana na igreja
e no sofá da sala.
vez por outra,
torceu para a seleção e
tinha a camisa de um dos grandes da capital.
era melhor não usá-la em dias de clássico...

voltava semana seguinte
reproduzindo opinião,
votando na direita ou na esquerda
sem muito pesar nem pensar.
gabava-se por dentro ser alguém entre ninguéns.
dizia-se contra o aborto
e a favor da cerveja na mesa do boteco
após o expediente.

nunca mais voltara à origem...
até então.

hoje a estrada
e a visão de tudo o que conhecera
preenche seu olhar.

avança o ônibus país adentro
e em si tudo revive:
peladas animadas
em acanhadas ruas,
os espaços entre gramas
em que primeiramente caminhou
de mãos dadas
com uma menina de sorriso simples.

agora
nada mais os separa:
homem e lugar.

tantos anos mais velho...
muitos saíram,
como ele saiu.
alguns foram para longe,
para um lugar de onde
nunca voltarão.

outros permanecem os mesmos
assim como árvores,
bancos de praça
e a velha receita de torta de milho da avó,
atualmente reproduzida por uma prima.
igualzinha, igualzinha...

deparou-se com
crianças que nunca conheceu,

casos e piadas dos quais não se recordou
e o sorriso envelhecido que se tornara amargo.
Era o dele
frente a alguém que nem de longe lembrava a namorada
dos catorze anos.

não é o mesmo.
precisa voltar ao concreto,
compromissos
família e
sofá da casa.
não há mais peladas
e a memória se revela enganadora.

nada mais sente.

escolhas separam
homem e lugar.

Ainda bem que nem sempre é assim.

Beijos e abraços, pessoal!

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domingo, 3 de abril de 2011