sábado, 30 de agosto de 2008

Ítaca e Emily

Para que este espaço não fique tão órfão de poesia, vamos de Konstantinos Kaváfis (1863-1933), poeta grego, cético, anticlericalista, antinacionalista, homossexual, criado no Egito e que viveu também em Liverpool - antes dos Beatles, claaaaaro!

Não, eu não tinha lido esta poesia, Ítaca. Um crime, talvez. Ou uma lacuna, apenas.

Hoje, ao conversar com um amigo, por telefone, ele me falou a respeito. Procurei, li, gostei. Acho que tem tanto a ver com vida, com o momento meu, com o de tanta gente, que não posso deixar de postar aqui.

Ítaca

Se partires um dia rumo a Ítaca
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem os Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrarás
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não o levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda espécie,
quando houver, de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha, velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.

Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso, não lhe cumpre dar-te.

Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.

Konstantinos Kaváfis - tradução de José Paulo Paes

Claro que, entre tantas coisas que caem no colo da gente, graças ao meio virtual, algumas delas são belas - o caso da poesia acima e da música abaixo - são as que mais me importam.

Nesses dias, caiu no meu colo uma canção, um disco inteiro, Fear (1974), de John Cale. E Emily, a música, pareceu-me tão serena, a despeito de uma certa tristeza esperançosa que há na letra. Seria um crime (outro?) não dividi-la com vocês.

Grande trabalho de um dos mentores do Velvet Underground. Em Fear, acompanham-no três figuras do Roxy Music: Brian Eno, Phil Manzanera e Andy Mackay. Enfim, à letra:

A música está disponível para audição ou download aqui. Preferia ter encontrado um vídeo, mas no You Tube não encontrei. Paciência! Espero que gostem!

Beijos e abraços, pessoal!

NA MINHA VITROLA: JOHN CALE - Fear (disco completo).

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O livro/Boletim do DDF 0008

Sumido, eu.

Sim, não poderia ser diferente: este é o momento de cuidar do livro, então é o que faço. Ocupado, mas feliz - e com uma barba daquele tamanho! (Nem tanto...)

Se tudo der muito certo, o lançamento será em setembro próximo. Darei mais detalhes nos próximos dias.

Além disso, hoje o DDF traz texto meu sobre Apenas uma Vez (Once), de John Carney. Aquele do casal de músicos que começa a tocar junto e se apaixona. Ah, não sabe o que é? Então é só conferir lá no DDF e nas locadoras - o DVD é recém-lançado.

Beijos e abraços, povo!

NA MINHA VITROLA: GLEN HANSARD & MARKÉTA IGLOVÁ - Falling Slowly.

sábado, 16 de agosto de 2008

Boletim do DDF # 0007

Hoje, no DDF, a minha análise sobre Offret (O Sacrifício), de Andrei Tarkovski.

Também na última semana:

Ao Entardecer, de Lajos Koltai


Entrevista com Mario Monicelli


A Idade da Terra, de Glauber Rocha



O autorismo no cinema brasileiro








E a semana que vem promete! Já começa com um texto sobre Batman, o Cavaleiro das Trevas, de autoria do Santiago Jr.

Vejo vocês por lá! Beijos e abraços!

NA MINHA VITROLA: LEGIÃO URBANA - Tempo Perdido.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Francisco Buarque de Hollanda - Parte 1

Eis aí um que trata a palavra com carinho. Um grande inspirador, um grande conspirador contra a mesmice que toma os dias. Ainda que hoje não haja o vigor crítico de outros tempos, em suas letras há toda a beleza do mundo. Mas... o que estou dizendo? Não é preciso falar muito desse cara. Muitos de vocês conhecem e conhecem bem, mas quero e faço isto aqui: posto essas palavras tratadas com carinho por Chico Buarque.

Samba do Grande Amor
Tinha cá pra mim
Que agora sim
Eu vivia enfim o grande amor
Mentira
Me atirei assim
De trampolim
Fui até o fim um amador
Passava um verão
A água e pão
Dava o meu quinhão pro grande amor
Mentira
Eu botava a mão
No fogo então
Com meu coração de fiador

Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor
Mentira

Fui muito fiel
Comprei anel
Botei no papel o grande amor
Mentira
Reservei hotel
Sarapatel
E lua-de-mel em Salvador
Fui rezar na Sé
Pra São José
Que eu levava fé no grande amor
Mentira
Fiz promessa até
Pra Oxumaré
De subir a pé o Redentor

Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor
Mentira

Tanto Mar
Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente um velho cravo para mim
Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente nalgum canto de jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Canta primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente algum cheirinho de alecrim

Com Açúcar, Com Afeto
Com açúcar, com afeto, fiz seu doce predileto
Pra você parar em casa, qual o quê
Com seu terno mais bonito, você sai, não acredito
Quando diz que não se atrasa
Você diz que é um operário, sai em busca do salário
Pra poder me sustentar, qual o quê
No caminho da oficina, há um bar em cada esquina
Pra você comemorar, sei lá o quê
Sei que alguém vai sentar junto, você vai puxar assunto
Discutindo futebol
E ficar olhando as saias de quem vive pelas praias
Coloridas pelo sol
Vem a noite e mais um copo, sei que alegre ma non troppo
Você vai querer cantar
Na caixinha um novo amigo vai bater um samba antigo
Pra você rememorar
Quando a noite enfim lhe cansa, você vem feito criança
Pra chorar o meu perdão, qual o quê
Diz pra eu não ficar sentida, diz que vai mudar de vida
Pra agradar meu coração
E ao lhe ver assim cansado, maltrapilho e maltratado
Ainda quis me aborrecer, qual o quê
Logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu retrato
E abro os meus braços pra você


Sonhos Sonhos São
Negras nuvens
Mordes meu ombro em plena turbulência
Aeromoça nervosa pede calma
Aliso teus seios e toco Exaltado coração
Então despes a luva para eu ler-te a mão
E não tem linhas tua palma
Sei que é sonho
Incomodado estou, num corpo estranho
Com governantes da América Latina
Notando meu olhar ardente
Em longínqua direção
Julgam todos que avisto alguma salvação
Mas não, é a ti que vejo na colina
Qual esquina dobrei às cegas
E caí no Cairo, ou Lima, ou Calcutá
Que língua é essa em que despejo pragas
E a muralha ecoa
Em Lisboa
Faz algazarra a malta em meu castelo
Pálidos economistas pedem calma
Conduzo tua lisa mão
Por uma escada espiral
E no alto da torre exibo-te o varal
Onde balança ao léu minh’alma
Em Macau, Maputo, Meca, Bogotá
Que sonho é esse de que não se sai
E em que se vai trocando as pernas
E se cai e se levanta noutro sonho
Sei que é sonho
Não porque da varanda atiro pérolas
E a legião de famintos se engalfinha
Não porque voa nosso jato
Roçando catedrais
Mas porque na verdade não me queres mais
Aliás, nunca na vida foste minha

E, sim, estas são apenas as primeiras de uma série. Aguardem.

Beijos e abraços, povo!

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Mãos à obra

Digito e reviso textos de monografias e afins.

Porque tempo é sagrado.
Porque isso eu faço bem.
E porque preciso pagar minhas contas.
Por favor, divulguem.

Beijos e abraços, pessoal!

NA MINHA VITROLA: L'ORCHESTRA DI PIAZZA VITTORIO - Laila.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Não há flores na alcova

Cena do filme Amantes Constantes (2005), de Philippe Garrel.
Observo comportamentos, faço isto. Geralmente, quando estou num metrô, num ônibus... vou sacando umas pessoas. Claro, isso tem de ser feito. Penso em mim como um escritor. E um escritor tem de ser observador.

Muitas vezes pensei em algumas dessas pessoas que vi, anos a fio. Claro, muitas vezes as faces não se repetem. Mas algumas expressões ficam marcadas. Pensei como seriam algumas dessas pessoas numa relação afetiva. Automatismo. Autoritarismo. Tristeza. Vazio. O que se pode encontrar quando...

Não Há Flores na Alcova

é preciso duvidar

da sua capacidade

do seu entendimento
do que é amar
do que é
se dar

é preciso
uma leveza não-
dissimulada

que você não
tem
nem
terá


no quarto

após o
ato

que é uma
luta
mira-se
ao espelho
o que poderia ser
charme

gesto suave
torna-se a foice que
destroi
o que houve:
seu narcisismo


tudo é o que
você
exige:

tudo

é pressa
tudo é
o rasgo
o grito
a morte
a distância

o toque
que não há

porque não
é
sentido


corpos tão
juntos
afastados
no mesmo instante
duas
respirações
que se
anulam


amante
que (não)
pensa
que diz
querer

querer o quê?
que

odeia

nestes dias
para alguns
amar
é

uma
guerra

Então é isto? Claro, pode ser. Toda observação pode levar a um caminho, inclusive ao erro. Mas isto é arte, acredito. E arte nem sempre precisa lidar com a verdade, mas com impressões, sempre.

E estas, melhor seria se estivessem erradas. Preferiria crer que o ser humano pode ser melhor que isso. Sim, em alguns casos, pode.

Beijos e abraços, pessoal!

NA MINHA VITROLA: ZBIGNIEW PREISNER - Paysage Absolu > Alexandra Has Left > Matia Palatia > Where the Angels Fear > Kosmoplastra Mousiki.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Boletim do DDF # 0006

Abrimos a semana do DDF com O Escafandro e a Borboleta em cartaz, texto meu. Confiram.

Durante a semana, mais participações minhas. O último filme de um mestre russo será analisado e haverá mais coisas interessantes.

Mas não deixem de conferir os posts anteriores, que contam com textos sobre o documentário Mein Kampf e os filmes A Outra, Barroco, Barravento (primeira parte da homenagem a Glauber Rocha), Tropa de Elite (uma visão "estrangeira" do filme) e um texto que aproxima "felinamente" o cinema da Vera Cruz e o Cinema Novo.

Beijos e abraços, pessoal!

NA MINHA VITROLA: COLDPLAY - Lovers in Japan.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Terminando o conto

A cena se forma, um tanto seca, enquanto esperava, na mesa do boteco, com a garrafa ao lado, a primeira delas, semi-cheia, o amigo atrasado.


Terminando o Conto

- Karen, estou terminando um conto agora. Ligo pra você depois, tá?

- Tá bom, amor. Depois você conta pra mim.

- Sim, claro. Beijo.
- Beijo!
- Tchau.

- Amor...
- O quê?
- Não esquece, tá? O aniversário do papai no domingo...
- Pode deixar... eh eh eh!
- Te amo muito!
- Eu também, eu também...

- Tchaaaau!!

- Tchau! Tchau.

Rogério nunca mais ligou. E sempre que soube que era ela, nunca mais atendeu.

Fazia frio à noite. O amigo se atrasou um pouco mais. Mas chegou. Cervejas vão. Papos vêm. A vida flui. Ausências. Presenças.

Beijos e abraços, pessoal!

NA MINHA VITROLA: L'ORCHESTRA DI PIAZZA VITTORIO - Vagabundo Soy.