domingo, 21 de novembro de 2004

Sim, o vento levou tudo

Olá, senhores passageiros! Sei que não é comum o maquinista do trem parar para contar-lhes alguma história. Provavelmente nem será interessante, pois só lhes interessa a viagem. Para alguns de vocês, nem a viagem importa, somente o destino. Mas deixemos de bobagens...

Eu sei que, já que pegaram este trem, estão interessados em tudo que possa ser contado, afinal, nossa viagem é ao âmago das palavras. Pois eu lhes digo:

A última noite foi uma noite de amor. Sim, apaixonei-me por Scarlett O’Hara. Foi um amor distante, de mão única, jamais retribuído. Ela provavelmente nem percebeu a minha presença, pois estava do outro lado da tela. Mas eu a amei, platonicamente, e foi bom. Agora vocês podem conferir o que gerou esta paixão:

Scarlett O’Hara Visita o Jardim de Concreto de Loucobardo

Scarlett, ó rara!
Ouça quem lhe fala, um pobre loucobardo
Fuja comigo para longe desta guerra terrível
Você, que é a estrela de minhas lucubrações
Fuja comigo, mas somente comigo
Abandone suas paixões, seus caprichos
Aí onde vive não há mais nada
Bem sei que tem ganhado força
Tem visto a dor e o sangue que escorre
Mas aqui já é outro lugar
Não estamos bem, maravilhosamente bem, assim separados...
Sei também que não sou o cara adequado
Sou apenas mais um latino-americano
Mais ao sul, mais ao sul que seu sul
É verdade que eu e os meus não vivemos maravilhosamente bem aqui, minha musa
Aqui há uma guerra de outra natureza
Diferentemente suja do que a de seu lugar, no seu tempo
Ainda que não aceite minha proposta, ao menos reflita
Venha para meu jardim de concreto e eu lhe farei feliz, tanto quanto é possível
Scarlett, aqui deveria ser seu lugar
Onde aprenderia um outro viver
Talvez melhor, talvez pior
Onde aprenderia um outro amar
Quem sabe como? Quem sabe porquê?
Aqui escorrem sangues outros
E o tempo transcorre, tragicamente
Mas é tão sutil a tragédia...
Seria ainda mais rara estrela, nesta terra
Seria ainda mais bela
E quando as rugas teimarem em surgir
Eu permitirei que retorne ao seu lugar, sim
Porque terá merecido esvair-se em seu solo
Será doce sua partida
Eu lamentarei e, sobretudo, lembrarei dos momentos bucólicos
Nós dois deitados numa rede, entrelaçados, talvez contando estrelas
Você contando histórias da infância na velha Geórgia
Das traquinagens e de como deveriam satisfazer-lhe a vontade
Eu chegando cansado, você servindo-me chá, tirando-me os sapatos e massageando-me os pés Scarlett, eu me lembrarei de tudo, de tudo...
Do calor de nossa paixão
Mas devo esquecer... é uma pena!
Você jamais faria massagens em meus pés
Ademais, Scarlett, rara Scarlett, você não existe
Simplesmente você não existe...


Escarlate, Escarlate como a Vida

Scarlett de vermelho
Scarlett triste e sozinha
Somente acompanhada de cicatrizes profundas
Mas esperançosa
Vá, Scarlett, volte para sua terra
Mas volte você, como é, que é sua terra
Ele voltará ou não
Vá para a sua cultura de algodão
Vá para o que você era
E espera...
Não mais triste e sozinha
Risonha e cercada de gente
Seus pais, aquela juventude orgulhosa de antes da guerra
Todos os seus pretendentes e as moçoilas invejosas
Os escravos, e todos, todos ao seu redor, de alguma forma
Não esqueça os pesadelos dos combates, a miséria, a desgraça toda
Tudo aquilo a torna forte
Vá, Scarlett escarlate
Vá sem puderes, mulher!
Você jamais foi uma dama
Jamais se prenderia a algo ou alguém que representasse uma forte ilusão
Ou pelo menos a um homem mais forte que aquela tamanha quimera
Mas você é um colosso todo vermelho, vivo
Paixão, Scarlett, puramente paixão é sua essência
Errou, e errou muito... nem por isso seria gentil condená-la
Apenas é um caso de uma mulher que não traiu sua natureza
Vermelho-vivo, o sangue passeia por veias e artérias
Então vá, Scarlett
Ergue a cabeça, sorri e toma seu destino em suas mãos
Sua terra, vermelha e viva, a espera
Quem sabe ele irá encontrá-la?
Pois você é vida, e ele precisa disso
Você existe
Tão somente existe

Meus bons amigos, espero que tenham gostado desta etapa de nossa viagem. Agora vamos seguir em frente, que há muito mais pelo caminho! Abraços e beijos a todos!!! Até breve!!!

quinta-feira, 11 de novembro de 2004

Vamos ver o alvorecer

Olá, senhores passageiros. Prosseguimos nestes últimos dias com notícias pouco interessantes? Que nada! Se pelo mundo afora o Arafat está morrendo (já morreu, aliás?) e se o Bushinho ganhou por mais quatro anos o trono no paço imperial White House, por aqui eu devo dizer que muito em breve haverá reedição do Palavra Atômica, aquele meu livrinho de poesias, sabem? Também tenho trabalhado no layout de meus novos livros, que devem ser lançados em 2006, se tudo ocorrer de acordo com meus planos. Quando for o momento falarei mais sobre o assunto.
As coisas andam bem, sabem? Tenho feito umas jornadas interessantes e ontem (digo, anteontem) estive ao SESI Paulista, para ver Violeta de Outono e Orquestra. Foi um ótimo show onde Fábio Golfetti e seus parceiros mostraram porque são reverenciados até hoje pela galera que viveu os anos 80, indo o mais longe possível na viagem psicodélica-progressiva a la Floyd dos primeiros dias, aliando a isto a força de uma orquestra dirigida pelo maestro Juliano Suzuki, da Orquestra Sinfônica da USP. E hoje (digo, ontem) estive na biblioteca Mário de Andrade, para assistir uma palestra sobre Paul Valéry, um grande poeta francês do início do século passado, que trilhou o caminho dos grandes Baudelaire e Mallarmé (como se fosse só isso o que ele fez... eh eh eh!!!), ministrada pelo ótimo João Alexandre Barbosa. Em, ocasiões como esta, raramente conseguem arrancar aplausos sinceros de mim. Pois Barbosa conseguiu, fiquei babando e assim que terminar de postar, pesquisarei sobre Valéry na net.
Enfim, a vida começa a me sorrir novamente. E poderei ver o alvorecer. Vamos vê-lo juntos? Como a viagem para mim anda tão boa, tão proveitosa, quero que seja o mesmo para vocês, por isso deixo aqui alguns poemas novíssimos. Espero com eles atingir meu intento de proporcionar alguma satisfação. Leiam só:

Eu a Quero

em são paulo você nunca está sozinho
no meio de toda sua solidão
uma cidade tão bonita e tão concreta
vícios na esquina da contravenção
na sombra aguardam o vagabundo o presidente
outdoors prédios e camelôs
toda a sujeira das ruas as direitas os sujeitos
o povo ensandecido nos metrôs
são paulo é tão sexy quanto sardinhas em lata
na marmita do peão famélico
são paulo é tão casta quanto um estuprador
que depois lhe salva como um médico
são paulo são seus rios malcheirosos que me matam
é sua periferia inculta que me atrasa
o seu centro me atordoa de trânsito e caos
são paulo é feia e me faz mal
e eu ainda quero esta puta
como a uma suspirante donzela


Olhos Sujos

os olhos sujos, meu filho, os olhos sujos...
lave-os bem, pequeno canalha
acorde, mas acorde de verdade
acorde e grite, grite bem alto
que lhe ouçam em Saragoça
quiça mais além, em Nova Délhi
e, por falar em acordes,
refaça os mal-feitos desta sinfonia bizarra
sim, refaça-os para que alguém queira ouvi-lo
em Vancouver ou na Central do Brasil
vamos, seu imundo, imbecil!
vamos que os atletas de Nairóbi o ultrapassam
mas, se não puder cantar e gritar e correr e viver de verdade
se não tem vontade alguma
é porque nasceu para obedecer
então obedeça à minha ordem:

levante-se e lave estes malditos olhos sujos!!!
gambiarra
João Bobo

em todo lugar que eu vou é assim...

sempre há um bobo
disposto

a estragar tudo

bing
bang
bong,
gambiarra
joão bobo

com um dedo
eu o derrubo
gambiarra
Ensolarada Califórnia

Dois mil caças apontando seus mísseis
Para um alvo de inocência/culpa discutível

Sim, dois mil... algo mais ou algo menos

Se seus pilotos pudessem relaxar
Conversariam sobre baseball ou basketball
Desejariam aquelas mulheres de peitos inflados como balões

Se pudessem estar em casa
Engordariam ao ritmo de batatas fritas e hard rock
Mas não podem...

Dois mil deles, apenas aguardando o momento exato
Bem-vindo será o sangue inimigo?
Não, sim... nada pessoal
Eles preparam o caos para os que estão em terra saquearem,
Estuprarem, gozarem do choro de suas vítimas
Toda aquela orgíaca balbúrdia conhecida de uma guerra

Pouco importa, entretanto...
Querem voltar logo às batatas fritas e às suas mulheres e crianças gordas
E então? Hora de eclipsar o sol?
Ah... quem saberá?
gambiarra
Na Beira da Estrada

na beira da estrada
eu vi
a vida acontecer - no bar da esquina
na terra do fogo
gambiarra
no banco da praça
eu vi
um jovem casal - o passeio dos velhos
das crianças o brinquedo
gambiarra
na hora do jogo
eu vi
a copa do mundo - nos olhos o desejo
do homem a força
gambiarra
na era de ouro
eu vi
o feio no belo - da moeda o reverso
no verso o amor
gambiarra
no templo do oráculo
eu vi
o futuro ser - do berço da vida
ao leito de morte
gambiarra
nada era tão acre
diria até doce

há quem queira manter o povo longe da cidade

não faz mal...
a festa se dá na beira da estrada
gambiarra
Bom, isso é tudo por hoje, senhores passageiros. Hora de pernoitar, para vocês. Eu vou fazer umas pesquisas, como disse antes. Beijos e abraços, meus caros. Até breve, em mais um trecho desta viagem que pretendo que seja longa.

terça-feira, 2 de novembro de 2004

Então, amigos, agora é possível comentar aqui neste blog, sem problemas ou "anonymous"... e a viagem prossegue!!! :-)

Um dia até bonito, hoje, apesar de tudo

Olá, senhores passageiros. Hoje é dia de uma digressão minha, muito particular, mas quero compartilhá-la com vocês.

Engraçado, passei a última madrugada dando uns últimos toques no texto de uma monografia na qual estou estou trabalhando. Foram 3, 4 dias de leitura intensa a respeito de jogos e brincadeiras no ambiente escolar, um tema bastante interessante. Uma madrugada quieta, temperada com estas leituras e com uma sutil trilha sonora de Enya, Era e Kitaro. Total New Age... eh eh eh!!!

É neste ponto que eu quero realmente chegar. Que seria de nós, simples passageiros do trem da vida, sem música? (Isso me faz lembrar de uma canção de Milton Nascimento e Fernando Brant, Encontros e Despedidas, agora sendo rememorada na voz de Maria Rita e tema de novela da Globo.)

Hoje, todos sabem, é dia de finados. Após a madrugada de trabalhos, uma manhã de descanso na minha enorme (muito para mim somente, é verdade) cama de casal, conversei com minha mãe acerca de visitas a cemitérios. Falei para ela que eu acho realmente de pouca valia visitar cemitérios. Meu pai não reside ali, verdadeiramente. O que existe naquele local é um resto de ossos dentro de uma caixa de madeira. Ele existe, sim, em nossas memórias. E, dentro de nós, ele não está realmente morto.

Como ainda é um tanto traumático lidar com este fato, pus-me a chorar. Sempre é difícil, mesmo que tentemos racionalizar, não é? Então subi as escadas que levam ao meu lugar na casa, ao meu universo, onde ficam livros, computador, CDs, vídeos e tudo mais. O que salvou-me foi uma audição de um vinil dos Paralamas. Depois, fiquei pensando e pensando no meu pai. Foi me dando vontade de ouvir Pink Floyd, exatamente Shine on You Crazy Diamond. Ouvi a música com um sentimento quase religioso. Claro, meu pai não era nenhum Syd Barret (que é o homenageado na música). Ao contrário, mas penso que a figura do velho Jair, para mim, brilha. Com todas as suas limitações, ele foi um dos bons.

As músicas foram passando, passando. Não é um CD oficial do Pink Floyd, é um pirata de um show de 1994, em Miami. Fui indo mais fundo naquele mar de canções, que eu colocava, fora da ordem, de acordo com meu interesse. Astronomy Dominé, Breathe, Time, Wish You Were Here, The Great Gig in the Sky, Us and Them, Confortably Numb, Hey You... em meio a tudo, a figura do meu pai. Não sei porque, mas preciso falar disso. Preciso falar do que é a música para mim, de como ela me salva. Agora eu me sinto melhor, mais vivo. Daqui a pouco vou sair pra ver o sol, que brilha quente lá fora. Afinal, está sendo um belo dia. Quem sabe eu encontre amigos e juntos escutemos a singela música da vida?

Sim, isto é tudo, meus amigos. Beijos e abraços!!!

Ao som de Pink Floyd, claro... eh eh eh!!!