terça-feira, 20 de setembro de 2011

De tantas mortes minhas

Sou você e você é o que sou. Tudo vai, tudo retorna. Não é kardecismo, talvez seja Nietzsche. Os processos da vida... em que nos misturamos e compartilhamos as mesmas histórias. Porque o que muda é um detalhe ou outro, um contexto. As histórias, porém, são universais. Por isso você é eu e eu sou o que você é.

Um poema universal, abaixo:


De tantas mortes minhas

Morto.
Um rombo no peito.
Era o estado em que me encontrava.

Embora marinheiro com uma mulher em cada porto,
potencialmente,
só via aquela que extraíra de mim as forças
quando cortou meus cabelos.

Vi o sol de muito perto
após ter pego emprestada as asas derretidas
do rapaz Ícaro.

Depois, fui levado escravo à Mesopotâmia,
mas eu sabia, era filho daquele sem nome,
seria liberto.

Rápido eu fui. Rápido demais: bati meu carro em Ímola.
Não sobrevivi.

Já tive morte de cinema. Já fui Ferdinand.
E, literalmente, explodi.

Já fui assassinado por alguém que lia
O Apanhador no Campo de Centeio.

Em meio a tudo,
tive a glória, fui ovacionado

e já me lincharam num ato que foi transmitido
pelas TVs em nível mundial.

Também já morri sentindo o frio glacial,
numa rua movimentada da metrópole.
Nem repararam.

Choraram frente a meu túmulo,
mas os vermes não me roeram,
pois deu-se um cordial desenlace com a morte.
Ganhei a partida de xadrez,
e pude outra vez retornar.

Sempre retorno. A cada dia, mês, ano.

A cada retorno meu,
vibram de satisfação em todo o globo.
Sou reconhecido
pelo pequeno remelento na porta do barraco,
embarco nos sonhos da fina dama em trajes íntimos
que aguarda o amante.
Sou reconhecido pelos feirantes
e moradores de rua,
também pelos estilistas
e revisores de texto.

Conhecem meu trajeto,
ainda que não se deem conta
que incógnito vou
fazendo meu caminho de mil óbitos
e outros mil ressurgimentos.

É que sou cada um deles.
Desapareço no fundo do mar
para emergir com ar renovado.

Todos no mundo conhecem esta minha qualidade,
mas não sabem que, a cada dia,
também vão e retornam.

Assim seguirá acontecendo enquanto o sertão não virar mar,
enquanto o mar seguir estampando antigos cartões postais.

Sou cada um desses tais.
E cada um deles vive em mim.

As ruas andam em mim enquanto ando pelas ruas.
Penso em versos de poemas sem rima nem métrica.
A cabeça erguida,
um sorriso emudecido, porém constante,
entre a multidão que caminha de acordo com os horários marcados.

O estado em que me encontro novamente.

Beijos e abraços, pessoal!

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