quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

Últimos Dias, Novos Dias

Enfim, aí está o prometido conto. Confesso que agora tenho algum medo. Alguém pode pensar "esperei por este conto por dias, e é essa decepção". Será? Ah... confiram, confiram...


Últimos Dias, Novos Dias

Era preciso ser ali. Fim de um tempo, início de outro. Sim, era a metrópole matunina e dominical que nada parecia à outra, a que tantos estão acostumados. Havia uma exposição, com barracas oferecendo miscelânea artesanal. Andar naquele espaço era agradável. Mas durante o caminhar de nosso personagem, precisamos retroceder ao momento em que ele acorda com um sol ainda gentil que trazia também o retinir de sinos quase longínquos que o tocavam ao atravessar a janela da kitinete.

Após aquele momento é que ele arrumou suas coisas, despediu-se de seus amigos adormecidos e espalhados pelo chão com os olhos e saiu para aquele cenário de praça e exposição. Sentindo a quietude ir tomando-o aos poucos. Passantes em seu campo de visão. Buscava um espaço para sentar-se e escrever sobre tudo aquilo. O que era, afinal? Não era simples descrever, embora estivesse ali, a coisa de sentir.

Enfim, divisou um canto perfeito para fazer suas observações, próximo a um pequeno Boxer e seu dono. O animal gracejava e era bonito vê-lo ali, enquanto ao longe novos sons, estes surgidos dos instrumentos de um trio de músicos então não mais turcos, mas das ruas do mundo. Ruas de delírio e pressa da cidade na maior parte do tempo. E pensava que dentro de algumas semanas os músicos talvez não estivessem mais no país. Dentro de alguns minutos não estariam mais naquela rua onde os encontrara no instante anterior à praça. E era verdade. Quais seriam os próximos destinos? Iria Monterrey, Hong Kong ou Windhoek conhecer a alma daquela música?

Permitiu a perda de si e apenas observava. Outros propósitos e olhares, outras origens e sotaques passam por ali. Poloneses, checos ou russos, não sabia ao certo. Mas também espanhóis e portugueses. Pressa suspensa e ele apenas pegando seu caderno de anotações. Esta imagem nunca terminava e era assim que deveria ser.

Era apenas o tempo que necessitava que passasse entre uma manhã solitária por opção e a exibição de alguns filmes numa mostra. Eram os instantes de experimentar as sensações das ruas e das praças e isto era libertador para nosso amigo – quero crer aqui que vocês já simpatizam com ele e por isso já podemos chamá-lo “amigo”. Havia poucas oportunidades como as tais, naqueles dias, ao menos no que definimos como o reino das sensações. Todos, eu e vocês – e ele também – prisioneiros de comportamentos, conveniências e compromissos que desejávamos pouco ou não desejávamos absolutamente.

Reconhecia para si a necessidade e exercitava a liberdade do caminho traçado mentalmente de antemão, no dia anterior. Era uma fuga deliciosa e simples como o morango na beira do abismo, sem a perseguição dos arautos do apocalipse do “ser sem máscaras”.

Não, não imaginem vocês que se tratava de um contexto asséptico. A praça era suja e cheirava, em certos pontos, a excrementos dos bêbados e dos loucos da boemia passada.
Prostitutas, padres e garis queimando suas cabeças sob o sol que se tornava forte corriam pelo cenário, assim como nosso amigo recolhedor de impressões também o fazia. Afinal ele buscava um lugar melhor para prosseguir com sua tarefa, pois com o esquentar do sol as pessoas apareciam em maior número, e algumas delas fazendo algazarra.

Outro lugar, a mesma praça, próximo a algumas fontes. Leveza. O apocalipse afastado. A falta de disposição para escrever também. A escrita não morreria nos braços do cansaço nem seria substituída pelo vazio. Era uma experiência imprescindível para a sobrevivência. Ele sabia que, enquanto o fizesse, estaria se libertando de um fardo não definível, mas que sabia, era pesado. Um fardo mais parecido ao titã que devorava seus filhos. Mas ali era o tempo de esquecer e ressurgir com a palavra. Nenhum ser mitológico o devoraria naquela manhã preguiçosa.

Novos componentes, passantes sem compromisso. A senhora idosa passeia com o Poodle de estimação. Numa barraca de roupas infantis, pára uma bela jovem mulher. Pássaros cantam. Bem-te-vi, bem-te-vi. Era janeiro, mas não importava. As águas se revelavam nas fontes. Nas avenidas, uma exposição de carros antigos explode, como se nada existisse antes. O alarido produzido leva a uma curiosidade de segundo grau. A caravana passa, tudo passa. Mas não vou fazer a piada que todos fazem neste momento, pois já que passou, nosso protagonista experimenta, neste instante, novo sossego observando os transeuntes em seus óculos escuros e roupas meio hippies.

Talvez seja hora de deixá-lo por lá. Quando ele renascia e aquelas pessoas nem podiam perceber, reunidas e de mãos dadas em seus grupos familiares. Mas ele vai sentir o mundo. Vai tratar de viver. E que vida será, amigos... com tantas armadilhas feitas com o intuito de prendê-lo novamente. Mas isto é estória para novas palavras.

São Paulo. O último dia, o novo dia.

Aguardo opiniões. Beijos e abraços, amigos viajantes!!


NA MINHA VITROLA: EAGLES OF DEATH METAL - Whorehoppin (Shit, Goddamn) > San Berdoo Sunburn > Wastin' My Time > Miss Alissa.

2 comentários:

Rafael Mafra disse...

Como conversamos, o que mais gostoso do que isso? Andar, observar, como se estivesse "impresente", focando, registrando, inventando coisas perfeitamente verossímeis...
Abraços, companheiro!

Anônimo disse...

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