Um poema universal, abaixo:
De tantas mortes minhas
Morto.
Um rombo no peito.
Era o estado em que me encontrava.
Embora marinheiro com uma mulher em cada porto,
potencialmente,
só via aquela que extraíra de mim as forças
quando cortou meus cabelos.
Vi o sol de muito perto
após ter pego emprestada as asas derretidas
do rapaz Ícaro.
Depois, fui levado escravo à Mesopotâmia,
mas eu sabia, era filho daquele sem nome,
seria liberto.
Rápido eu fui. Rápido demais: bati meu carro em Ímola.
Não sobrevivi.
Já tive morte de cinema. Já fui Ferdinand.
E, literalmente, explodi.
Já fui assassinado por alguém que lia
O Apanhador no Campo de Centeio.
Em meio a tudo,
tive a glória, fui ovacionado
e já me lincharam num ato que foi transmitido
pelas TVs em nível mundial.
Também já morri sentindo o frio glacial,
numa rua movimentada da metrópole.
Nem repararam.
Choraram frente a meu túmulo,
mas os vermes não me roeram,
pois deu-se um cordial desenlace com a morte.
Ganhei a partida de xadrez,
e pude outra vez retornar.
Sempre retorno. A cada dia, mês, ano.
A cada retorno meu,
vibram de satisfação em todo o globo.
Sou reconhecido
pelo pequeno remelento na porta do barraco,
embarco nos sonhos da fina dama em trajes íntimos
que aguarda o amante.
Sou reconhecido pelos feirantes
e moradores de rua,
também pelos estilistas
e revisores de texto.
Conhecem meu trajeto,
ainda que não se deem conta
que incógnito vou
fazendo meu caminho de mil óbitos
e outros mil ressurgimentos.
É que sou cada um deles.
Desapareço no fundo do mar
para emergir com ar renovado.
Todos no mundo conhecem esta minha qualidade,
mas não sabem que, a cada dia,
também vão e retornam.
Assim seguirá acontecendo enquanto o sertão não virar mar,
enquanto o mar seguir estampando antigos cartões postais.
Sou cada um desses tais.
E cada um deles vive em mim.
As ruas andam em mim enquanto ando pelas ruas.
Penso em versos de poemas sem rima nem métrica.
A cabeça erguida,
um sorriso emudecido, porém constante,
entre a multidão que caminha de acordo com os horários marcados.
O estado em que me encontro novamente.
Beijos e abraços, pessoal!
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