segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Então me recordo...

Não muito tempo atrás, disse que escreveria sobre Fellini. Pois bem, amigos, hoje é o dia. Falarei especificamente de uma de suas obras-primas:



Amarcord - referência à tradução fonética das palavras "mi recordo", usada na região de Emilia-Romagna, na Itália, onde o diretor nasceu. Lançado em 1973, sobre Amarcord, Fellini nega que se trate de um filme autobiográfico, mas admite que há episódios que se passam ali que se parecem com alguns de sua infância.

A história, que não contarei exatemente de acordo com a cronologia e, grosso modo, é esta:

O vento traz os flocos de neve e este é um sinal de que o inverno se vai, para dar lugar à primavera. A cidade está eufórica, festeja. A queima de um boneco de uma bruxa velha é um rito de passagem da estação.

Desfilam os personagens, como a bela e coquete Gradisca, o acordeonista cego, o resmungão Aurélio e sua família, a louca Volpina, o advogado que nos narra a história e que tem um "admirador" que está sempre a avacalhá-lo, entre outros.

É delicioso contemplar as travessuras juvenis e os excêntricos professores. Ainda que tudo se passe em tempos politicamente difíceis, onde o fascismo dá o tom. Na ocasião de uma visita de Mussolini, Aurélio - que é contra o regime - é suspeito de ser o responsável pela ousada execução da Internacional e paga o pato.

A religiosidade está presente. Durante a confissão, o padre diz a Titta, o garoto que depois iria se encantar com a fartura dos seios da dona da tabacaria, que "os anjos choram quando você se masturba".

Entre as recordações mágicas de um mundo que não existe mais, o lunático Teo carrega pedras no bolso, e no dia em que seus familiares o levam para um passeio, sobe em uma árvore e clama por uma mulher. Eis a imagem da desolação. Revolta-se contra a família, que quer que ele desça da árvore e atira pedras contra todos. Após 5 horas, a equipe do sanatório onde ele está internado chega e uma freira anã consegue fazê-lo descer.

O maltrapilho Biscein se dá bem com as 30 concubinas de um emir gorducho que se hospeda no Grand Hotel da cidade. No cinema, Gradisca sonha com Gary Cooper. Titta sonha com Gradisca (aliás, todos sonham com ela...) e depois com Lucia, a da tabacaria. Seu amigo Ciccio sonha com Aldina, que sonha com outro garoto...

Mesmo os dias de nevoeiro têm sua beleza nostálgica... e uma corrida tem lugar. E mais festa!

Mas nem sempre... Miranda, que é esposa de Aurélio e mãe de Titta, fica doente durante o período de nevasca. Dá conselhos ao filhos, sabe que não vai viver muito tempo. E, de fato... no dia de seu funeral, já não neva.

Gradisca enfim encontra num soldado seu Gary Cooper. Casa-se e vai viver com ele em outra cidade. Tem lugar uma festa de despedida num cenário bastante bucólico. Chove. Sol e chuva, casamento de viúva. O acordeonista cego toca o tema do filme. Recomeça a neve. A molecada corre pela paisagem campestre...

Em contraponto com amargura do personagem Marcelo Rubini, em A Doce Vida, Amarcord é a celebração da vida simples, ingênua mesmo, dos habitantes daquele lugar, cujo nome não é revelado. Não há explosões hollywoodianas, que ninguém precisa disto ali. Quem dera a existência fosse um sonho, quem dera eu tivesse nascido num filme de Fellini. Não que viver na maior metrópole sul-americana seja absolutamente ruim. Há momentos ótimos - inclusive contarei, na próxima postagem, um episódio interessante e quase onírico que se deu no último sábado. É que o universo de Amarcord leva a isto... a desejar estes dias jamais vivemos. Ou podemos vivê-los, de alguma forma?

Seja como for, beijos e abraços pra vocês!

Fonte das fotos: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/amarcord/amarcord.htm

NO MEU HD CRANIANO: A música-tema de Amarcord, composta por Nino Rota.

Nenhum comentário: