segunda-feira, 9 de outubro de 2006

Mudando de idéia


Sei, sei... vai parecer confuso e vou certamente passar atestado de porralouca, mas as pessoas mudam de idéia. Eu sou uma pessoa. Portanto, posso mudar de idéia. Também sei que se trata de uma construção clichê esta anterior, enquanto vivemos tempos pouco comuns.

O fato é que cedo. Se é tarde ou nem tanto para a minha capitulação à idéia de votar no cara que eu considero "o menos pior", fico com o nem tanto.

Esse cara, o que hoje considero o menos pior, sempre aparentou estar ao lado das classes menos favorecidas. Tem um histórico considerável, sendo um dos fundadores de uma instituição que se desenvolveu com a bandeira dos trabalhadores. A quatro anos, era o herói da maioria, mas coisas aconteceram e redescobrimos que ídolos podem ter pés de barro. Confiar, eu não confio, mas creio que ele tratará de não se comprometer a ponto de sofrer um impeachment. A cobrança existirá desta vez, muito maior do que antes. E somos (ou precisamos fazer) parte disso, inclusive.

O que eu sei mesmo é que não engulo aquele grupo de aves de bico grande e seus eternos parceiros. Sei o que fizeram com o país. São muitíssimo dissimulados esses bicudões. Tiram o seu da reta e abrem as pernas para o estrangeiro. Lembro-me que empresas importantes caíram nas mãos de gringos que só fazem obter lucro, oferecer produtos e serviços de qualidade ruim e empregar mão-de-obra barata. Ops... alguém aí falou Telefonica? Mero exemplo.

Quanto ao representante bicudo deste pleito, o que tenho a dizer? Tomem cuidado, é um ator. Por trás daquela aparência sóbria de Picolé de Chuchu há um gênio do mal que trabalhou constantemente para sucatear a educação em São Paulo. E, claro, conseguiu. Com sua carinha de "olha-eu-fiz-isso-para-o-seu-bem", vai fazer o quê? Vender a Amazônia? Teremos a Zona Amazônica Japonesa, a Zona Amazônica Norte-Americana, e por aí vai? Tá, estou pirando, fazendo ficção, já. Mas que pode acontecer, pode.

Portanto, ainda que muito desconfiado, votarei naquele barbudão que ainda deve estar um pouco atônito com a surra que levou num debate no qual era muito, muito fácil bater nele. No momento, até o Picolé de Chuchu o faz. Mas quem, raios, poderia fazer o que é realmente necessário para esse país ser um pouco mais bacana de viver?

Eu tenho uma resposta. Quero as de vocês.


Antes, quero dizer porque mudei de idéia. Foi numa conversa durante o sarau. O colega Nelson, a princípio sem saber, despertou em mim o pavor que tenho da possibilidade de venderem, em pedacinhos, o Brasil. Os bicudões esquartejadores são craques nisto. E não me esqueço de que, antes do termo "mensalão" ser criado, escândalo semelhante foi revelado e abafado durante o governo do presidente que fora sociólogo.

O sarau, que transcorreu maravilhoso - a quem queira saber - foi sendo e sendo, os textos se sucediam e até alguns talentos foram revelados. Ainda que eu já tivesse mudado de idéia, achei bacana ler Eu Digo Não (post anterior), pra suscitar mais discussão. Sim, era o momento de lançar o inferno sobre o Gruta... eh eh eh! Comentei com o Nelson que faria isto e ele disse que leria em seguida o texto abaixo, de Ignacio de Loyola Brandão. Sem dúvida, o golpe de misericórdia.

Confiram vocês também. Eu não sei se esta é a disposição correta dos parágrafos, então posto-o de acordo com a versão que consegui na rede.

O Homem que Viu o Lagarto Comer Seu Filho
Ignácio de Loyola Brandão
Para Ligia Sanchez

Era uma noite de terça-feira, a eles viam televisão deitados na cama. Quase uma da manhã, estava quente. Ele levantou-se para tomar água. A casa silenciosa, moravam num bairro tranqüilo. Não havia ruídos, poucos carros. Ao passar pelo quarto das crianças, resolveu entrar. Empurrou a porta e encontrou o bicho comendo o menino mais velho, de três anos a meio. Era semelhante a um lagarto e, na penumbra, pareceu verde. Paralisado, não sabia se devia entrar e tentar assustar o animal, para que ele largasse a criança. Ou se devia recuar e pedir auxílio. Ele não sabia a força do bicho, só adivinhava que devia ser monstruosamente forte. Ao menos, forte demais para ele, franzino funcionário. E meio míope, ainda por cima. Se acendesse a luz do corredor, poderia verificar melhor que tipo de animal era. Mas não se tratava de identificar a raça e sim de salvar o menino. Ele tinha a impressão de que as duas pernas já tinham sido comidas, porque os lençóis estavam empapados de sangue. E a calça do pijama estava estra­çalhada sob as garras horrendas do bicho repulsivo. Como é que uma coisa assim tinha entrado pela casa a dentro? Bem que ele avisava a mulher para trancar portas. Ela esquecia, nunca usava o pega ladrão. Qualquer dia, em vez de um bicho, haveria um homem roubando tudo, a televisão colorida, o liquidificador, as coleções de livros com capas douradas, os abajures feitos com asas de borboletas, tão preciosos. Pensou em verificar as portas, se estavam trancadas. Porém, per­ce­beu um movimento no animal, como se ele tentasse subir para a cama. Talvez tivesse comido mais um pedaço do menino. Precisava intervir. Como? Dando tapinhas nas costas do lagarto-não lagarto? Não tinha armas em casa e o cunhado sempre dizia que era coisa necessária. Nunca se sabia o que is acontecer. Ali estava a prova. Queria ver a cara do cunhado, quando contasse. Não ia acreditar e ainda apostaria duas cervejas como tal animal não existia. Pode, um lagartão entrar em casa através de portas fechadas a comer crianças? Olhou bem. Comer crianças não era normal, nem certo. Devia ser uma visão alucinada qualquer. Não era. O bicho mastigava o que lhe pareceu um bracinho e o funcionário teve um instante de ternura ao pensar naqueles braços que o abraçavam tanto, quando chegava do emprego, à noite. Uma faca de cozinha poderia ser útil? Mas quanto o bicho o deixaria se aproximar, sem perigo para ele, o homem? Tinha que impedir o lagarto de chegar à cabeça. Ao menos isso precisava salvar. Não conseguia dar um passo, sentia-se pregado à porta. Preocupava-se. Todavia não se sentia culpado. Era uma situação nova para ele. E apavorante. Como reagir diante de coisas novas e apavorantes? Não sabia. Preferia não ter visto o lagarto, encontrar a cama vazia, as roupas manchadas de sangue. Pensaria em seqüestro ou coisas assim que lia nos jornais. Seqüestro o intrigaria, uma vez que ganhava pouco mais de dois salários mínimos e não tinha acertado na loteria esportiva. Era apenas um funcionário dos correios que entregava cartas o dia todo a por isso tinha varizes nas pernas. Se gritasse, o lagarto iria embora? Continuou pensando nas coisas que podia fazer, até que a mulher chamou, uma, duas vezes. Depois ela gritou a ele recuou, sempre atento para saber quanto o bicho tinha comido do filho. A medida que recuou perdeu a visão do quarto. Sentindo-se aliviado, pelo que não via. A mulher chamava e ele pensou: o menino não chorou, não deve ter sofrido. Voltou ao quarto ainda com esperança de salvá-lo pela manhã a decidiu nada dizer à mulher. Apagaram a luz, ele se ajeitou, cochilou. Acordou sentindo um cheiro ruim e quando abriu os olhos viu sobre seu peito a pata, parecida com a de um lagarto. Paralisado, não sabia se devia tentar assustar o animal, ou tentar sair da cama a pedir auxílio. Pelo peso da pata, o bicho devia ser monstruosamente forte. Ao menos, forte demais para ele, franzino funcionário. Aí se lembrou que tinha dois sacos de cartas a entregar, era época de Natal a havia muitos cartões das pessoas para outras pessoas dizendo que estava tudo bem, felicidades. Tinha que tirar este bicho de cima. Não, hoje não haveria entregas. Nem amanhã, por muito tempo. O lagarto estava com metade de sua perna dentro da boca.

Ah, sim... a plantinha ali no início do post é justamente o Pau Brasil. Aguardo comentários sobre o conto, a planta e a mudança. E sobre o que mais vocês quiserem comentar. E, antes que me esqueça, amanhã estarei em Brasília, visitando uma amiga. Resolvi passear um pouco neste feriado prolongado e acredito que vai ser bem bacana. Desejem-me boa viagem. :-)

Beijos e abraços!


NA MINHA VITROLA: HAMMOCK - An Empty Field > BRIGHTBLACK MORNING LIGHT - We Share Our Blanket with the Owl.

9 comentários:

Rodrigo Maceira disse...

Nosso grande defeito é querer acreditar no homem. Por que não reconhecer a legitimidade do voto nulo, do repúdio possível? Se um Hélio Bicudo disse que votaria no Serra, se a Heloísa tem o ódio que tem, tendo visto tudo de perto, não há por que pensar que existe um "menos pior". São canalhas, todos, não merecem o único meio que tenho de expressar minha completa discordância. A sentença de um assassino jamais absolve o crime que cometeu. A filha do Zé Dirceu estuda no mesmo colégio que as gêmeas de um primo burguês, ao preço de R$1600,00 mensais. A elite desse país é o poder, vestida de seda, ou de trapo rasgado. Queria poder ter sua esperança, mas não me permito ;)

Abraço!

Anônimo disse...

eu sigo o mesmo caminho que você, e ainda recordo as palavras de minha avó: vota em quem já está lá, porque já roubou bastante, quem não está ainda vai roubar mais. discordo da lógica, mas acho a citação válida. quanto ao conto, explora o mesmo tipo de indiferença que fez com que tudo tomasse o rumo que tomou hoje. mentalidade de escravos. e vê se me responde esses comments algum dia, né?? beijos

Rafael Mafra disse...

Ei, Alessandro, como vão as coisas por aí, nesta cidade bonita e estranha?

Sabe, concordo com o Julius, embora não seja o motivo pelo qual não voto.

O voto nulo é uma decisão legítima, como qualquer outra escolha. É mal visto pela maioria das pessoas porque seria a abstenção de um direito e etc., quando, na verdade, votar nulo não é nada menos que um direito também.

Mesmo assim, nem isso eu faço. Não voto. Votaria nulo, se votasse, mas não voto. Tem momentos em que a gente perde a esperança no ser humano, principalmente naqueles que não conhecemos e que podem influenciar nossas vidas.

Eu olho para os lados e sei que as coisas podem melhorar ou piorar, seja lá quem estiver no poder. Isso não depende muito deles. São uma ferramenta que deveria ser usada pela maioria, mas a maioria quase nunca sabe disso. Usa quem sabe, então.

Não voto porque não tenho, lá, muitas esperanças. Tenho algumas aqui comigo e nos que estão ao meu redor. No que podemos fazer aqui por baixo mesmo. Se cada voto desse país fosse convertido numa ação contínua de qualquer coisa mais substancial, as coisas seriam muito melhores. Você pode dar sopa aos pobres na madrugada ou organizar um festival de bandas pop/rock. Organizar saraus ou educar crianças fora das escolas. Foda-se, qualquer coisa. Mas não, creio que "nosso povo brasileiro" sinta-se mais confortável perder tempo e neurônios em frente a televisões e votar de dois em dois anos num próximo culpado por todos os problemas do país.

Acho que é isso!

Abraços e aproveite bem!

Rafael Mafra disse...
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Anônimo disse...

bem,agora que se deu conta,volte sempre!!

e eu entendi o que tu quis dizer com cada palavra, fica tranquilo.

quando voltares, vamos sair e vc me conta todos os detalhes da viagem, de preferência numa mesa de boteco!!

beijos!

Rafael Mafra disse...

Ei, sabe o que eu andei pensando? Suspeito que essa sua viagem pra Brasília não tem nada a ver com visitar alguma amiga. Acho que você está mancomunado com alguns desses partidos políticos, nesse frenético dias finais para a escolha de nosso presidente. Infelizmente você deixou escapar esta tua faceta político-partidária que vinha há muito escondendo! Vide este último post! Confesso que demorei a crer num absurdo desse, mas não tive como evitar chegar nessas conclusões! Que tipo de trabalho está fazendo por aí? Está, por acaso, oferecendo seu know-how para que os merdas dos estrategistas políticos ataquem um setor ainda desconhecido por eles? O setor dos trabalhadores-moscas-de-bar? Ora, veja, meu camarada, essa sua ajuda de nada adiantará! Desista! Quer dizer, pega toda a grana que puder, depois saia deste covil, passa lá no Gruta e me paga umas cervejas!

Agora, sem brincadeiras, como foi por lá? Tudo bem? A cidade deve ter um clima todo estranho em épocas de eleições!

Abraços!!

Anônimo disse...

Olá Hermanito!!!
Já havia dito que é necessário dialogar sobre a política, principalmente depois de Maluf,Clo Dovil e novamente o estúpido Serra no poder!
E daqui quatro anos veremos!
Eu ainda acredito, mesmo que as vezes me falte esperança!!!

Volta hoje ou voltou ontem?

biseaus

Anônimo disse...

Hahahaha...

concordo com o Mafra.. "Se cada voto desse país fosse convertido numa ação contínua de qualquer coisa mais substancial, as coisas seriam muito melhores"

Mas eu acho que o voto consciente somado a essa "ação contínua" mudariam as coisas mais substancialmente... mas claro q não ia ser a resolução de todos os problemas... teria que haver muitas lutas pra alguma coisa acontecer...

Essa "ação contínua" poderia ter um caráter subversivo... ou será q estou errado???

E como foi lah muleke??? tudo bem??? quando tu tá de volta mesmo???

Mandou o beijo pro Lula q eu mandei?? hahahahaha...

Abraço...

Rafael Mafra disse...

Marco, enquanto e onde for necessário, tem de ter o caráter subversivo!

Abraços!