quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Os fugitivos ou Quando éramos bonitos, jovens e sonhadores

Sonhos dentro de sonhos, para apenas encarar a realidade. Ou fugimos, todo o tempo?


Os Fugitivos ou Quando Éramos Bonitos, Jovens e Sonhadores

Ah, quando era jovem, eu tinha sonhos. Você sabe, um sonho é um sonho. Faz o que quiser, uma vez dentro dele. Ou o Sonho faz o que quiser com você. Sim, essa é a verdade.

Particularmente, esse eu que fala tinha uma combinação com o Sonho: deixava que ele me levasse onde quisesse, desde que eu gostasse.

Meu nome era Peter Pan, só para o Sonho. E carregava comigo a impressão de que, noutro sonho, eu voava. Então era um sonho continuado, mas não era.

Aconteceu que estava de férias e deixei o nada em que habitava para ir morar numa cidade longínqua. Havia praia e as pessoas eram bonitas. Então eu havia combinado estar lá e encontrar meus amigos, o açougueiro e sua esposa que sorria e nunca dizia nada. Era sempre assim no sonho, o sorriso emudecido.

Era um início de noite em que as estrelas se estendiam pelo céu que se avistava a partir da orla. Então combinamos de ir até a casa que alugamos pra ser nossa base de bons momentos de viagem. Mas a perdemos. Ela simplesmente mudara de lugar. Como num sonho. Mas, ei, era isso, não? Então não havia remédio, senão procurar. Falei ao Açougueiro que voando seria mais fácil. Mas ele não voava. Eu sim.

Digo, pensava que sim. Porque tentei fazer o movimento, mas senti uma força no ar que me prendia. Havia perdido meu poder.

Em busca da casa e do voo, perambulamos. Chegamos a um bar, algo muito bonito, obscuro, que funcionava à luz de velas. Meu amigo ficou no balcão e eu achei curiosa uma certa saliência na parede. Ao tocá-la, o bar pareceu, de repente, uma grande coisa de pinball e as pessoas eram bonecos. Uma espécie de porteiro me pediu uma senha. Disse a palavra que me veio à cabeça: "fuga". E minha entrada foi permitida. Havia longos corredores, mas eu era como a bola do jogo. Não tinha autonomia, apenas o medo que apenas não tivesse três vidas a gastar, procurando o dom perdido.

Fui conduzido de corredor em corredor, aleatoriamente, dando de cara com artefatos curiosos e máquinas de refrigerantes. O Açougueiro, assim me explicou ou assim entendi o que ele parecia dizer, também ficara curioso, disse a senha ao porteiro, que era outra palavra pra ele, e nos encontramos num desses corredores. Havia uma bolsa estranha, de um verde brilhante, que parecia ter alguma importância a nós. Jackpot? Levamos conosco. Comigo, pra ser mais exato.

Ao final desse corredor, uma enorme estação de trem vazia. Lembrou a Gare du Nord, em Paris, que conheço de filmes. Entramos num desses trens, mas éramos mesmo os únicos ali. Uma vez o trem não subterrâneo em ambiente externo, pensei em dar um jeito de subir para a parte de fora, pegar impulso com a velocidade e finalmente, recuperar o dom do voo. Afinal, devia ser questão apenas de confiança. Como não era um tipo muito grande, dei um jeito de sair pela janela. Parecia um dos aqueles antigos surfistas ferroviários de Sampa.

Via de cima do trem, ao longe, a praia, presa ali naquela madrugada. Houve efeito poético e voei. Vi que meu amigo Açougueiro também, o que era estranho. Era um tipo muito gordo e voar não fazia o estilo dele, de modo algum. De qualquer forma, acordei ao lado dos trilhos, com sangue escorrendo de minha cabeça. O amigo se atrapalhava com os primeiros socorros, mas estava ali, auxiliado pela esposa sorridentemente muda.

Ao menos, havia o cheiro de mar.

Voar era apenas um sonho dentro de um sonho. E, em todo o tempo, apenas fugira do que realmente era. Acordei novamente, na minha cama. Um pouco mais cedo do que o horário que determinei acordar, pois havia trabalho e rotina. Corri o quanto pude pra escrever este relato um pouco atabalhoado, resumido demais.

No dia que se seguiu, aliás, como quase todos os dias, houve trens, mas não os da Gare du Nord. Não houve areia de praia, tampouco ondas ou céu estrelado. Senti-me muitas vezes controlado como a bola de pinball e sem jackpot. Também sem o dom de voar. Mas é o que todos tínhamos.

E também tínhamos o Sonho e esse acordo para a fuga. Isso nos fazia mais jovens e também bonitos. E éramos.

Beijos e abraços, pessoal!

NA MINHA VITROLA: ALVA NOTO + RYUICHI SAKAMOTO - Avaol > MOBY - The Stars > DAVIDE BALULA - Maan > AIR - Sexy Boy > RADIOHEAD - Fast Track.

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