sábado, 19 de junho de 2010

José Saramago, à eternidade

Este post não é um adeus.

José de Sousa Saramago, 16.11.1922 - 18.06.2010. Foto de 1996 por Sebastião Salgado, em Lanzarote, Ilhas Canárias, onde o autor viveu até seus últimos dias.
"Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala e retirou a carta de cor violeta. Olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar, sobre o piano, metida entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto, debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava. Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde, ela que poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma impalpável poeira, ela que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos, e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias, que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte podia destruir. Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu."

José Saramago em As Intermitências da Morte, 2005.



À eternidade, mestre!

Um comentário:

Daisy-se disse...

Eu adoro esse trecho!!! É fantastico!
^^