terça-feira, 17 de abril de 2007

A hóspede

Breve texto para passar o tempo.


A Hóspede


- Não, no meu livro você não entra.

- Mas por quê?


- Não importa. Você só não é como eu esperava.

- E o que você esperava?

- Não sei. Só sei que não era você.


- Mas qual é o problema comigo? Eu vou ser boazinha pra você.

- Viu? Esse é o problema! Você vai ser boazinha pra mim. Boazinha até demais pro meu gosto. Parece até aquelas tias que fazem caridade para a igreja...


- E qual é o problema nisso?

- Você não cabe no meu livro.

- Eu... não entendo.

- Eu sei. Sempre soube, desde que você se colocou aqui na minha frente, com essa cara de panaca, implorando pra ser personagem da minha história.

- Então eu devo pegar minhas coisas e ir embora da sua cabeça. É isso?

- Sim, é isso.

- Então, tá.

- Vê? Você não contesta, não quebra o pau, não causa dor de cabeça. É fácil de dispensar. Você não tem jeito, não tem drama. Nem mesmo comédia.

- É? E que mais eu não tenho?


- Quer que eu liste tudo o que lhe falta?


- Tá, então você acha que seus personagens queridinhos vão lhe render um bom livro. Enganou-se, meu bem. O seu livro precisa de equilíbrio. E-qui-lí-brio! Nem todo mundo tem que encher a cara ou se entupir de drogas toda a hora. E eu me lixo pro seu indie rock e pros seus filmes alternativos.

- Ah, agora resolveu me contestar? Quer provar alguma coisa... ah ah ah!

- Ai, desculpa, eu não queria explodir assim... mas você me humilha, fica aí me enxotando, quando eu sou a salvação do seu livro.


- Pára! Vai embora, por favor.

- E se eu fizesse o que você quer? Olha, eu já fui atriz pornô no conto de um amigo seu.

- Você não entendeu ainda, né?


- Eu posso mudar...


- Seria uma mudança falsa. Não quero você no meu livro, muito menos fingindo que é outra pessoa.

- Você não era assim... o que você tem, afinal?

- Nada.

- Então é assim mesmo... tenho que ir embora, né?


- Por que não fez isso ainda? Estou perdendo um tempo precioso. Eu podia estar escrevendo sobre coisas muito mais... vivas.

- É, eu nem vida tenho, porque você não me dá chance mesmo...

Ela abaixa a cabeça e derrama a lágrima que ele não percebe ou finge não perceber. Pega a mochila cheia e, sem dizem palavra, vira-se e começa a ir, mas...


- Espera! Você sabe preparar almôndegas?

- Sim.


- E cafuné? Você sabe fazer?

- Aham.

- Tá, então pode ficar.


- Posso?

- Não me pergunte outra vez.


- Então em que quarto eu fico?

- Deixa eu ver...

Ele coça a cabeça e pensa. De repente, seu rosto se ilumina num sorriso de "eureka".

- Já sei! Seu quarto vai ser o último à esquerda. É o último que eu tenho livre.


- O quê? Ao lado do quarto daquele casal que vive brigando? Eu não gosto deles. Não entendo porque você gosta tanto deles...

- É o que tem. Se não quiser...


- Ai, tá bom, eu topo. Guarde toda essa ranzinzice pra sua obra-prima.

- Ranzin... o quê?

- Nada, nada.

- Melhor assim. Agora, pode se instalar. E só me faz mais um favor...


- Qual?

- Apenas tente se manter com a boquinha fechada, tá legal?


E assim se encerra nossa pequena discussão, meus amigos. Beijos e abraços!

NA MINHA VITROLA: THE SMITHS - Panic.

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