domingo, 29 de julho de 2007

O plural, de Nelson Rodrigues (A Saga de De Paula) - Parte 3

A história prossegue. E é hora de vocês conhecerem Ada.


III - O Plural: O Anjo

Ora, Quintanilha era um homem casado e muito bem casado, aliás. Adorava a esposa, embora tivesse as amantes eventuais. No seu temperamento alegre, extrovertido, costumava dizer: “Sou o único marido que gosta da esposa, o único!” E vamos e venhamos: Ada era um anjo. Vivia para o marido e o lar, só. Trazia a casa, que era um brinco, uma tetéia. O deslumbrado Quintanilha reconhecia para a própria mulher:

- Sabe que eu ainda não descobri um defeito em ti?


Ada punha as mãos na cabeça: “Está me pondo uma máscara tremenda!” E aduzia: “Não há ninguém perfeito, meu filho!” Pois bem. Era essa a mulher que o De Paula queria macular com sua irresponsável maledicência. Fora de si, o Quintanilha arremessa-se:


- Fala mal de Ada? Tem essa coragem? Ah, cachorro! Eu mato o De Paula! Por essa luz que me alumia eu mato! Esborracho-lhe o crânio!


Atirava patadas no assoalho, num furor magnífico e inútil. Súbito, vira-se para o Leon: agarra-o pelos dois braços:

- Eu não me incomodo que falem mal de mim. Podem me chamar, até, de ladrão de galinhas. Mas não concebo que se diga nada de minha esposa. É uma santa de alto a baixo.

Ao lado, Leon parecia impressionado e, mesmo, arrependido. Já admitia que a revelação pudesse ter conseqüências funestas. Quis reduzir as proporções de um revide mais que provável; e aconselhou:


- Tiro pra quê? Corta-lhe a cara a chicote, a rebenque!

Súbito, Quintanilha põe a mão no ombro do outro, numa curiosidade que o distraiu, por momentos, de sua dor: “E que diz esse patife de minha esposa? Fala. Quero saber! Como marido tenho o direito de saber!” Leon relutou; quis ficar no vago, no teórico. Mas o amigo o ameaçou: “Rompo contigo!” Quase sem voz, baixando a vista, num desconforto físico e moral, tremendo, bufa, por fim:


- O De Paula diz que tua mulher tem amantes!

Quintanilha recua dois passos, num espanto maior que a dor, que a indignação, que tudo. Repete, desvairado: “Amantes?” Aperta a cabeça entre as mãos:


- E nem ao menos é um só. São vários!


Agarra-se ao Leon: “Se ele põe no plural é porque tem vários!”

Continua

Não demora a surgir mais uma parte, pessoal! Beijos e abraços!

NA MINHA VITROLA: TRAVIS - Battleships.

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