quarta-feira, 12 de março de 2008

Da fé

Era para um concurso. Perdi a data. Mas vamos lá, de diálogos quase inverossímeis e sensações que não se explicam. Este é o mais absurdo dos contos:

Da Fé

- Ah, já vi este filme!
- Como assim?

- As pessoas amam demais, o tempo todo. Agora vem você e me diz a mesma coisa.

- Mas é verdade... e eu não condeno as outras pessoas.

- Queria ser um pouco menos amável...

- Mas, Linda, isso é impossível.

- E se eu desse um soco, uma boa porrada no seu estômago agora?

- Seria um esforço inútil. Em todo caso, você não tá viajando um pouco agora?

- Talvez.

E os dois se calam, em seus bancos no ônibus que segue o caminho para o litoral. Linda recosta a cabeça no peito de Jorge e está pensativa. Muitos a amaram, pensa, e todos a machucaram. Não tem a ver com a mão direita do rapaz acariciando-lhe as madeixas douradas pelo reflexo do sol que entra pela janela sempre que há oportunidade. Ela se sente cansada. E sente que cansa quem a ama.

- Todos vão embora..., ela murmura.

- Hein?

- Não, nada.

Tristeza no peito de Jorge, que pela primeira vez sentia que amava. Acreditava mesmo que não era simples desejo de posse, o que também era, mas não só isso. Porque ela não compreende? Amar é a coisa mais simples, mas fazem disto um drama.

Antes, no outro dia, no mp3, aquela música. Tudo é como uma onda. Vem com força, que pode ser maior ou menor. E desvanece. Mas não é isso que vai acontecer, pensou ele, preparando as malas enquanto a música era. Não desta vez. Não queria desacreditar e Linda veio justamente salvar-lhe da descrença. Era tão cheia de espírito e estaria ali com ele, por ele. Sim, é isso... não é?

Se havia defeitos naquela relação, eram o querer demais de um e o descrer demais daquela. Ou o pensar demais, de ambos.

Insegurança oprime. O excesso, então...

Em todo caso, deixava-se levar, esta moça que recebe as carícias. Até onde e quando, não sabia. Era sempre assim. Deixava-se levar pela avó à igreja, sem crer de verdade naquela figura pendurada numa cruz. Era menina, não sabia. Mas logo soube. Seria diferente agora? Queria fazer-se mais simples, mas não conseguia. Bom, era uma tentativa, não?

O verde da mata ao redor da estrada e o azul claro do céu, tudo tão lindo, se impõem. Mas todo esse lindo, depois da primeira hora, cansa. O cochilo é inevitável. É no tédio que tem lugar o diálogo que abre essa curta exposição de momentos e sensações que é este conto. Adormecem e a mão do moço cai lentamente dos cabelos da jovem, até que alcança suavemente o assento. Mas seu braço ainda a envolve.

Linda desperta quando apenas começam a surgir os primeiros sinais de litoral. Entusiasma. Acorda Jorge.

- Estamos chegaaaaaaaaando!

- Vão ser bons esses dias com você, Linda! Sorriem. É hora de abandonar o casal enquanto um beijo tem seu lugar. Pensar menos e sorrir mais. É o que querem e sabem que precisam. Até quando e onde não importará, ao menos nestes dias.

Sim, eu preciso que vocês acreditem. Beijos e abraços!

NA MINHA VITROLA: THE FLAMING LIPS - Race for the Prize > OS MUTANTES - I Feel a Little Spaced Out > ELLIOTT SMITH - Let's Get Lost > GRAND ARCHIVES - Breezy no Breezy > BRITISH SEA POWER - It Ended on an Oily Stage.

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