
Um dia de céu limpo, uma dose de conhaque, o porco engravatado que rumina dinheiro alheio, as noites solitárias, as crianças fazendo algazarra, amores possíveis e impossíveis. Tudo o que há sob o sol (e além do sol) é a matéria da poesia. Este blog é um livro inconcluso com páginas abertas para que você encontre textos escritos com verdade, sentimento e, principalmente, com ALMA. Uma viagem que nunca termina. Por Alessandro de Paula. Contatos em palavratomica@gmail.com
terça-feira, 31 de julho de 2007
domingo, 29 de julho de 2007
O plural, de Nelson Rodrigues (A Saga de De Paula) - Parte 3

III - O Plural: O Anjo
Ora, Quintanilha era um homem casado e muito bem casado, aliás. Adorava a esposa, embora tivesse as amantes eventuais. No seu temperamento alegre, extrovertido, costumava dizer: “Sou o único marido que gosta da esposa, o único!” E vamos e venhamos: Ada era um anjo. Vivia para o marido e o lar, só. Trazia a casa, que era um brinco, uma tetéia. O deslumbrado Quintanilha reconhecia para a própria mulher:
- Sabe que eu ainda não descobri um defeito em ti?
Ada punha as mãos na cabeça: “Está me pondo uma máscara tremenda!” E aduzia: “Não há ninguém perfeito, meu filho!” Pois bem. Era essa a mulher que o De Paula queria macular com sua irresponsável maledicência. Fora de si, o Quintanilha arremessa-se:
- Fala mal de Ada? Tem essa coragem? Ah, cachorro! Eu mato o De Paula! Por essa luz que me alumia eu mato! Esborracho-lhe o crânio!
Atirava patadas no assoalho, num furor magnífico e inútil. Súbito, vira-se para o Leon: agarra-o pelos dois braços:
- Eu não me incomodo que falem mal de mim. Podem me chamar, até, de ladrão de galinhas. Mas não concebo que se diga nada de minha esposa. É uma santa de alto a baixo.
Ao lado, Leon parecia impressionado e, mesmo, arrependido. Já admitia que a revelação pudesse ter conseqüências funestas. Quis reduzir as proporções de um revide mais que provável; e aconselhou:
- Tiro pra quê? Corta-lhe a cara a chicote, a rebenque!
Súbito, Quintanilha põe a mão no ombro do outro, numa curiosidade que o distraiu, por momentos, de sua dor: “E que diz esse patife de minha esposa? Fala. Quero saber! Como marido tenho o direito de saber!” Leon relutou; quis ficar no vago, no teórico. Mas o amigo o ameaçou: “Rompo contigo!” Quase sem voz, baixando a vista, num desconforto físico e moral, tremendo, bufa, por fim:
- O De Paula diz que tua mulher tem amantes!
Quintanilha recua dois passos, num espanto maior que a dor, que a indignação, que tudo. Repete, desvairado: “Amantes?” Aperta a cabeça entre as mãos:
- E nem ao menos é um só. São vários!
Agarra-se ao Leon: “Se ele põe no plural é porque tem vários!”
Não demora a surgir mais uma parte, pessoal! Beijos e abraços!
NA MINHA VITROLA: TRAVIS - Battleships.
sábado, 28 de julho de 2007
O plural, de Nelson Rodrigues (A Saga de De Paula) - Parte 2

II- O Plural: De Paula
E, de fato, podia dar-se ao luxo desse desprendimento, dessa superioridade.
Dois dias depois, porém, é procurado, no escritório, por outro amigo, o Leon. Quintanilha abre os braços, numa efusão patética: "Quem é vivo aparece!" Depois dos abraços, dos tapinhas nas costas, pergunta, alegremente: "A que devo a honra dessa visita?" Leon pigarreia, faz a pergunta:
- Tens visto o De Paula?
- Vi. Ainda hoje, vi. Dei-lhe um abraço. Por quê?
Leon levanta-se. Anda de um lado para outro e, por fim, decisivo, estaca diante do amigo:
- O De Paula não merece o teu abraço. Merecia, sim, que lhe partisses a cara. Um canalha muito ordinário!
Surpreso e divertido, Quintanilha repete: "Você acha que eu vou dar confiança de me zangar com o De Paula? Deus me livre! Ele pode falar de mim à vontade! Tanto faz, como tanto fez! Considero o De Paula um verme!" Então, Leon resolve por as cartas na mesa:
- Mas a questão é a seguinte: não é de ti que ele fala mal.
- Então, ótimo. Se não é de mim, qual é o drama? E de quem ele fala, afinal?
O amigo foi sumário:
- Da tua mulher. Compreendes agora por que eu disse que o De Paula merecia que lhe quebrasses a cara?
Aguardo vocês! Beijos e abraços!
NA MINHA VITROLA: JARVIS COCKER - Big Julie.
quinta-feira, 26 de julho de 2007
O plural, de Nelson Rodrigues (A Saga de De Paula) - Parte 1
Há muito tempo não o lia. Então num belo dia um colega da agência em que trabalho me diz que comprou A Vida Como Ela É, e eu fico surpreso quando ele me diz que há um De Paula ali.
Ora, bolas! Eu sou um De Paula. Então mais que surpreso, fiquei curioso. E aposto que alguns de vocês estão agora.
Então, vamos lá? Vamos. Mas por partes... em dez dias vocês terão o conto inteiro postado aqui. Por hoje, divirtam-se com esta primeira parte.

I - O Plural
Foi avisado:
- Cuidado com o De Paula! Cuidado com o De Paula!
- Por quê?
O informante atrapalha-se:
- Bem. O De Paula é um veneno, percebeste? Fala mal de todo mundo!
Quintanilha pôs o cigarro no cinzeiro:
- De mim também? Desembucha! Fala mal de mim?
E o outro:
- Mais ou menos. Anda dizendo, a teu respeito, coisas bem desagradáveis.
Quintanilha ergueu-se. Bem-sucedido na vida, feliz nos negócios e no casamento, não tinha invejas, nem complexos. Ao passo que o De Paula, mirrado, pequenino, com catarata numa das vistas, era um amargurado, um revoltado. Apanhando outro cigarro, Quintanilha acha graça:
- Você acha que eu vou ligar para o que De Paula diz? Eu, logo eu? É um pobre-diabo, um cretino de pai e mãe. Deixa pra lá!
Podem me xingar... eh eh eh! Mas logo logo haverá a parte 2. Beijos e abraços, pessoal!
NA MINHA VITROLA: JOE COCKER - Unchain My Heart.
terça-feira, 17 de julho de 2007
Consumido

Consumido
Insano. Era assim que tinha de ser naquele dia.
Não à frustração de um emprego que não era. Não ao fato do combinado com os amigos não ter sido. A imagem de Pedro era cruciante a qualquer um que o visse.
Desesperado, vagava pela noite, abrindo as portas dos quartos de hotéis e expondo as intimidades dos amantes. Vagava pela noite, revelando inutilmente a hipocrisia das largas avenidas, escuras e vazias. E inutilmente, porque jamais...
Nunca o espaço exato onde despejar o corpo incansado, impensável.
Então, passa a noite. Volta ao bairro. Pode mais, pede mais. Um último fôlego, Pedro. Um último fôlego...
Não vê quem o vê. Aqueles que se alimentarão da sua loucura. Expectativas são criadas, planos arquitetados. As pedras rolarão todo o tempo. Não se importa, o Pedro, porque não desconfia. A única coisa possível a partir disso é a implosão.
Hoje a gente ganha em cima do otário.
Bar após outro, insano ao cansaço, ao inferno. Foram as garrafas, o bilhar, as palavras, o delírio. Tudo falseava sob o signo da mentira construída. Ou a única verdade era a fraude. Quando veio o golpe que separou sua cabeça do resto do corpo, nem percebeu. E continuou rindo, como o palhaço, e chorando de rir, sem perceber que a tragédia era o que lhe sobrara. O tempo consumido até que...
Deu-se conta! Tarde demais. Os amigos não existiam. Os inimigos tripudiavam. Os desconhecidos apontavam o dedo repugnando o espetáculo, que era ele. Sim... ele, o pesadelo consumido até a última possibilidade.
Fez a última das coisas que poderiam ser feitas: juntou o que sobrara do seu nada e foi à casa dormir. Até o próximo grito.
Abraços e beijos, pessoal! Até a próxima, quando um nome tradicional de nossa literatura e teatro terá espaço graças a uma situação que envolve o sobrenome deste que vos fala. :-)
domingo, 15 de julho de 2007
Três irmãs + um trauma = L'Enfer
Aves parasitas, o mito de Medéia, tragédias familiares e três mulheres. Estes são os ingredientes para o Inferno segundo Tanovic. Ou o Inferno segundo Kieslowski.

É bem sabido para os aficionados de cinema off-Hollywood que o diretor polonês Krzysztof Kieslowski (de A Dupla Vida de Véronique e da trilogia das cores da bandeira francesa), antes de morrer, deixou o roteiro de uma trilogia baseada em paraíso, inferno e purgatório.
É bem sabido também que o primeiro fruto destes roteiros é Heaven, dirigido pelo alemão Tom Tykwer (Corra Lola Corra e o recente O Perfume). Heaven não funciona, a meu ver, tão bem. Talvez porque Tykwer é tão pouco Kieslowski e Cate Blanchett é tão pouco Juliette Binoche ou Iréne Jacob. Não importa tanto este primeiro filme, então.


As irmãs Celine (Karin Viard), Sophie (Emmanuelle Béart) e Anne (Marie Gillain) parecem estranhas, nunca se encontram e raramente pensam umas nas outras. Uma tragédia de tempos de infância as une e as separa. E elas são tocadas pelo passado de diferentes formas. Celine é solteira e se dedica a cuidar da mãe idosa e em cadeira de rodas, que vive num asilo. Sophie é a esposa ciumenta que vai às últimas conseqüências para descobrir a infidelidade do marido. Anne é a garota apaixonada, que tem um caso com o pai de sua amiga e professor da Sorbonne, mas é dispensada por ele.

E uma verdade: trata-se de um filme essencial para a década.
O trailer não diz muita coisa, mas confiram:
Beijos e abraços, pessoal!
NA MINHA VITROLA: LEGIÃO URBANA - La Maison Dieu.
Modern Love?

Shi Gan / Time / Tempo é o filme de 2006 do coreano Kim Ki-Duk (Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera) que se passa em uma moderna Seul onde vive o casal Ji-woo e Seh-hee.
Ela, extremamente insegura, em vista do tédio que se torna a relação de ambos, resolve fazer uma cirurgia plástica, mudar o rosto. Para tal, desaparece da vida do namorado. Ele tenta, a partir daí, refazer sua vida sentimental. Um jogo de aparências e adivinhações sórdidas tem lugar e nunca mais as vidas de ambos serão as mesmas.
Valeu a pena recomeçar por aqui. Espero que valha pra vocês. Confiram o trailer:
É isso por hoje. Beijos e abraços, pessoal!
NA MINHA VITROLA: VOLTURA - Hace Buen Tiempo > THE SISTERS OF MERCY - Detonation Boulevard.
domingo, 1 de julho de 2007
Amplidão

Amplidão
Ampla.
A paisagem que se vê pela janela do ônibus. Esta que nos leva a outros lugares, outros tempos. Uma viagem dentro da viagem que fazemos.
É mais agradável assim, quando percebemos o todo da natureza ao redor da estrada - de mãos dadas. Realmente estamos juntos. E não me culpo por querer que seja sempre assim.
Ternura...
Mas quem saberia, de verdade?
O horizonte, distante, mas disponível ao toque do olhar, mostra uma história que não se revela. Não o futuro imediato. Não o final da história, em que um de nós cede e cada qual segue um caminho diverso. Pela morte ou pela vida.
Preferiria simplesmente deixar de pensar nisto e simplesmente me ver homem em seus olhos, não importando o que antes chamei de verdade ou o que um dia eu possa vir a chamar, que se sinta mulher em meus braços enquanto trilhamos o caminho conhecido de tantos e inédito a nós.
O momento. Algo que não se explica.
Transbordamos.
Mesclamos-nos em nossa jornada. Com os céus e as montanhas. Mesmo os arranha-céus da cidade onde deveremos chegar estão plenos de nós e do que espalhamos. Enxergo além da janela do ônibus. Você é a minha paisagem. Ampla.
Ok, é isso por hoje, pessoal! Beijos e abraços!