sábado, 24 de maio de 2008

O mundo é uma mesa de bar (é?)

Antevendo o hoje, as conversas semelhantes... tantas assim. No passado, no futuro. E o que restará disso tudo, não faço ideia.

O Mundo É uma Mesa de Bar (É?)

Fim de tarde. A imponência das construções e dos grandes comércios do centro da cidade são manchadas por um belo pôr-do-sol, vermelho e muito típico da época do ano. Os poetas, fugitivos da rotina, ou que tentam, estão ali, naquele boteco de sempre, falando as mesmas coisas de sempre, enquanto a cerveja sempre esquenta, no mesmo ritmo em que eles buscam fazer com que o líquido desapareça do copo. É preciso prestar atenção ao fenômeno do diálogo que se dá na mesinha ou não. Em todo caso, a prosa está lá.

- Você vê, tudo é muito rápido, João. As pessoas estão sempre fazendo mil coisas ao mesmo tempo pra tentar salvar o couro. Agora mesmo, veja como bufa aquela mulher na calçada . Não é nada elegante, ela é nova e parece uma puta velha, ranzinza. Poderia ser outra pessoa. Qualquer um poderia ser qualquer pessoa...

Zico para e bebe. Respira fundo. Tenta sacralizar o momento, erguendo o copo à meia altura. Em seguida, conclui:

- ... você sabe, né?

João quase se culpa. Não está à vontade. Mas isto é tão comum... ele nunca está... poderia-se dizer que há um constrangimento diante da inutilidade de tantas coisas. Um pensamento até-a-vida-é-pouco-útil passeia em sua mente, quando se manifesta.

- Claro, poderíamos ser outras pessoas e não vagabundos nessa mesa de boteco bebendo, bebendo e falando e nada fazendo. No entanto, temos de correr demais, Zico. E a cerveja vai esquentando.

- Ah, triste dever o nosso. Temos de consumir todo o líquido gelado e dourado antes que o mundo acabe. Ou, pelo menos, antes que este boteco feche... eh eh eh! Antes era o sol sobre nossas cabeças. Agora já vai anoitecendo e... a necessidade de caminhar para sei lá o quê... você sabe por que aquele homem atravessou a rua com o sinal fechado? Ele nem se importa se aparecer um carro à toda...

O ritual se repete, copo erguido, ideia que se conclui. O amigo de nome de ex-jogador pausa, como se tivesse acabado de colocar a bola na marca de cal e olhasse o goleiro antes de arrematar a gol, numa penalidade máxima.

- ... na verdade, ele nem pensa na morte. Mas na verdade, ainda, me cago pra isso.

Gol marcado, João, o pobre-diabo, só pode concordar.

-Ah, sim. Ele nem pensa em si mesmo. Um dia pouco feliz no trabalho... sei lá. É novo, né? Corre pra faculdade. Quantas histórias assim conhecemos e desconhecemos?

- Bom, essa etapa, ambos vencemos. Mas estamos sempre vencendo etapas, cumprindo cronogramas... e pra quê? Nesta cidade, o goal é o progresso, mas ninguém está vivendo melhor e absolutamente confortável. Dizem que é o êxodo. Eu digo que é a quimera. No fim, dá no mesmo.

- Somos infelizes na tentativa de sermos felizes. Outro dia escrevi algo sobre isso...

Morena deslumbrante passa por trás deles, ambos torcem os pescoços. Nada tão deslumbrante – há o que seja tão belo ao olhar e há o que seja perigoso ou frustrante ao toque. João pensa sem parar se-ela-estivesse-aqui. Aquela coisa... como é mesmo o nome? Mal de amor! Ainda há quem insista. Zico, percebendo a coisa, quebra a tristeza encantada do amigo.

- Boa, hein?

- Boa, bastante boa. Mais que boa...

- Tenta a sorte, ora!

- Não hoje...

- Viadinho!

- Você é quem diz, seu merda! Do jeito que estou hoje, não sou boa companhia nem pra minha sombra.

- Ô, puto, tô pensando em pedir algum troço pra comer. Acompanha?

- Não, não... nem tô a fim... fico na breja mesmo.

- Tá. Então... já reparou que são raros os momentos em que uma pessoa ocupada pode se dar o direito de sorrir, de verdade? Não aquele sorriso contratual, a simpatia calculada. Falo do prazer de ser, do prazer de estar.

- Utopia. Quem sabe?

- Pois eu digo que não é utopia, mas é cada vez mais raro.

- Agora mesmo... é...

Uma ideia... raios, como João a deixa escapar... atrapalhando-se na própria língua, João quase pede pelo atropelo. Zico parece adivinhar e diz:

- Agora mesmo estamos aqui, como se fosse permitido. E é. Porque queremos. Mas quem somos senão uns vagabundos, privilegiados, canalhas, desesperados?

- É. Somos mesmo uns canalhas desesperados... eh eh eh! Precisamos disso, não? Desta cerveja que esquenta, da espera por algo que aconteça...

- Sim, não gostamos da rotina. Na verdade, ninguém gosta. Alguns têm coragem de dar menos importância a isto tudo, mas pagam algum preço, não pagam?

- Zico, é disso que eu queria falar... esperamos que mais gente junte-se a nós. Que a “tribo” esteja unida pelo luxo de nada fazer que não seja observar.

- Não, não é isso. O outro não importa, a não ser como objeto de observação. Particularmente, o que eu iria querer com o outro ali que não é capaz de sentir o gosto daquilo que come?

- Tem certeza que é isso?

- O quê?

- Que as pessoas são tão incapazes de sentir o gosto das coisas?

- Você pode?

- Acho que sim.

- Aí você se engana. Nem mesmo nós escapamos. Eu falei que somos desesperados... estamos o tempo todo tentando nos diferenciar, ser aqueles que sentem o aroma do café da esquina ou o gosto dessa cerveja...

- Acabou.

- É só chamar o carinha ali que ele trás outra. Peraí, que eu já fiz o sinal e ele já vem.

O boteco, que estava vazio quando chegaram, já está um tanto cheio, o balconista anota pedidos, a cerveja tarda a chegar, mas os amigos aguardam, gastando todo pensamento.

- Você acha mesmo que somos uns desesperados?

- Claro! Ou não estaríamos aqui, discutindo isto tudo. Iríamos viver, de alguma forma. Mas... afinal, o que é viver?

- Isto aqui é pouquinho de viver, Zico. Ou é mentira minha?

- Você pode ter essa cara de traveco brasileiro fazendo a festa em algum lugar do Mediterrâneo, mas mentiroso você não é. Só que... viver é um pouco mais que isso. Você valoriza tudo o que o cerca, todo o tempo?

- ‘ta-que-o-pariu... Dá pra conversar um instante sem me zoar, vaca velha?

- Claro que não.

Nisso, chega a garrafa cheia. Expansivo e todo risos, à visão da garrafa e divertindo-se com a estranheza de João, Zico cumprimenta o velho cara do balcão.

- Olha nossa breja chegando! – vira-se para o homem do bar:

- Ô, Zé... me diz rapidinho... você espera o que da vida?

- Vixe... rapaz, nem sei...

- Tá vendo?

- É!

O Zé se afasta, para depois voltar e dizer aos amigos que já tem seus copos cheios:

- Além de uma vagabunda bem gostosa, quero que o Palmeiras ganhe o clássico no domingo.

Bom, isso é tudo por hoje, pessoal! Beijos e abraços!

NA MINHA VITROLA: EVAN RACHEL WOOD - Hold Me Tight > MOONSHAKE - Sweetheart > THE ROLLING STONES - Casino Boogie > JUAN STEWART - Domaj > MICHAEL GIACCHINO - World's Worst Beach Party.

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