quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Memória

Tenho uma amiga que diz o que pensa. Nem todos fazem isso. Ela faz. Ela diz. Doa a quem doer. Eu gosto, embora já tenha doído. Uma dessas figuras que você encontra pela net e, de alguma forma, vai lhe manter cativo do seu carinho. E se você sabe que ela diz a verdade, sabe que o carinho é de verdade. E é recíproco. Ela tem um circo em forma de blog. Nós temos um projeto que não foi projetado, nasceu do nada e está indo, o Conversas Instantâneas. Essa é a segunda parte. A primeira está no blog dela.

Sem mais preâmbulos, vamos ler!

Conversas Instantâneas
Cátia Andressa da Silva e Alessandro de Paula

Parte II: Memória

- Penso que necessito da memória. Portanto, a busco. Preciso da memória para revisitar meus erros. Para ratificar meus acertos e, com tudo isso, erros e acertos, seguir na busca. Mas como, se o que busco é justamente a memória?

- Primeiramente não entendo porque tens a necessidade de revisitar erros e ratificar acertos. O que faz as coisas valerem a pena não é a busca pela memória. Também já somos uma nação sem memória. Na verdade, nem somos nação nem temos memória.

- Pois eu preciso.

- Me diga o motivo.

- Não sou a nação. Não tenho nada a ver com a nação. Tenho a ver com minha busca. E quero a memória. Quero me lembrar de tudo. Do amargo do fracasso, do picante da ira, do adocicado dos pequenos carinhos, do salgado das piadas entre amigos. Quero tudo. Não me construo sem memória.

- Ficamos muito presos à memória.

- Não me importo. Não quero ficar preso ao vácuo.

- Mas é a necessidade da memória para sua própria construção ou você tem medo de cair no esquecimento?

- Não tem medo das memórias das pessoas não alcançarem você? Como artista, isso seria bem duro, hein?

- São situações diferentes. Preciso da memória para construir-me e re-construir-me a cada dia.

- E, sim, também não quero ser esquecido. É preciso ser relevante ao menos a uma formiga.

- Tolice!

- Já conto com este não-alcance. Se conseguir ser relevante a uma formiga, já é muito.

- Já é lucro.

- Humanidade.

- Eu odeio essa palavra: relevante. Está todos os dias atolando a felicidade alheia.

- Entre todas as características positivas e negativas do ser humano, está a de importar-se com o outro. Nem que seja a de importar-se com o que o outro pensa de você.

- Aceito isso em mim com naturalidade.

- A palavra nem precisa ser dita. Apenas é preciso ser.

- Importar-se com o que o outro pensa de você?

- Não todo "outro".

- Eu prefiro me importar com o que eu penso dos outros, o que eu sinto pelos outros, se eu respeito os outros...

- Mas um "outro" ou "outros" específico(s).

- Bom, de qualquer forma, também penso neste aspecto que disseste.

- Mas o que te leva a rejeitar a memória?

- A sua, digamos, irrelevância. Hoje temos câmeras digitais, blogs, temos toda a memória eletrônica, digitalizada...

- Deixo meus pensamentos no vácuo, no não-pensar em coisa alguma...

- Bom, é uma ferramenta. Mas me importa como sinto isto. O significado que dou a isto.

- Hahaha

- E qual é esse significado?

- Se lhe explicasse sobre todas as coisas e significados, não veríamos o sol antes de 2015.

- Taí, eu gosto muito do Astro-Rei!

- Justamente porque gostas e eu gosto, convém não listar tudo.

- E vejo que gostas do vento, então... de ser levada pelo vento todo o tempo, como uma folha. É isto?

- Isto é uma provocação?

- Isto é uma provocação! E um questionamento. Ou a ti não lhe agradam os questionamentos, como não lhe agrada a memória?

- Gosto de ser levada pelo vento, com mais intuição do que razão. Porque necessitarei de direções pré-estabelecidas quando há uma tal teoria (não a conheço ainda, mas conhecerei um dia) que prova que o que está programado não é o que traz algum tipo de felicidade, de plenitude. E se, ao contato de tal teoria, descobrir que não precisas de nada? Nem memória nem direcionamento. Então provarei minha tese. Não é mesmo?

- Provará apenas que, neste momento, não sabemos, ambos, de muitas coisas.

- Você tem necessidade de saber de algo?

- É o mesmo que me perguntar se necessito da memória. Mas eu lhe digo: sim.

- Necessito saber.

- No entanto, não me desespero se não souber. Pois não é possível saber tudo. Humanidade. Limitação.

- E não morrerá se não souber nunca. Desencana!

- Preso ao meu tempo. Morrerei de qualquer forma. Mas enquanto viver, buscarei algo.

- Buscas...

- Não encano. É meu jeito de existir.

- Buscas... buscas... buscas... ah, que enfadonho ficar buscando o tempo inteiro.

- Tão natural quanto o rio que corre para o mar. Mas disse que busco todo o tempo?

- Tão natural quanto o rio que corre para o mar.

- Não, eu permito o esquecimento em certos momentos.

- Busca na memória, busca algo que nem sabe o que é!

- Isso é tão natural como a abelha que pousa na flor.

- Não buscas o tempo inteiro?

- Por isso busco.

- Você deixa de buscar o tempo inteiro? Só busco meus chinelos quando acordo no meio da noite pra fazer xixi. Mas não estamos falando de matéria não é mesmo?!

- Estamos falando de todas as coisas. Mas penso que te enganas.

- Estamos?

- Se estudas até aos fins de semanas, é porque algo tu buscas.

- Ui! Me pegou!

- Não é verdade?

- Não sou uma boa mentirosa!

- Um momento, minha querida mentirosa. Mais querida que menti-rosa.

E prossegue. Num dia desses, prossegue.

Beijos e abraços, pessoal!

NA MINHA VITROLA: THE WALKMEN - Louisiana > Emma, Get me a Lemon.

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